As lições do "recall" da Toyota
Por, pelo menos, duas décadas, a Toyota tem sido a maior referência da indústria. Para automóveis, é claro, mas também para todos os outros tipos de indústria, o "jeito" Toyota tem sido uma espécie de "caminho para o sucesso". O seu perfeccionismo, as rigorosas expectativas de qualidade, a promessa de "tranquilidade" ao comprador de que o carro estará livre de problemas e uma cultura organizacional que cumpriu estas promessas inúmeras vezes, são tarefas que a Toyota realizou melhor do que qualquer outra empresa no planeta.
Agora, após a revelação de que muitos automóveis Toyota não são tão "bem construídos" ou "seguros" como todos nós pensávamos, essa imagem ficou manchada. Será que a Toyota é como a maioria das outras organizações, que fazem promessas que não conseguem cumprir e vendem uma marca com pouca substância?
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Se reflectirmos por alguns minutos, fica claro que, dado o estado lastimável da indústria de automóveis, a Toyota continua a ser uma referência. Apesar do "recall" de milhões de veículos - aparentemente o maior do género na história -, a Toyota ainda se destaca na indústria por fabricar carros que funcionam e pelas suas inovações, que certamente moldarão o nosso futuro. No entanto, a Toyota fracassou na sua busca pelo crescimento, pois esqueceu-se de dar atenção ao seu conhecimento adquirido.
Segundo Paul Ingrassia, autor de um novo livro sobre a indústria automobilística intitulado "Crash Course" (Nova York: Random House, 2010), um conhecimento que a Toyota deixou de lado foi: "nunca construa um novo produto, numa nova fábrica, com mão-de-obra nova" (1). Estes três "nuncas" oferecem uma interessante percepção de como as organizações devem combinar o "saber" com o seu "crescimento" para terem sucesso no mercado global.
À medida que entramos numa era de intenso conhecimento, não é de se estranhar que "o saber" se tornará tão importante, se não mais, do que "o fazer". Saber o que fazer, como fazer e para quem fazer, será a chave para o sucesso. Será, cada vez mais, uma questão de saber mais do que as outras organizações e descobrir como chegar a esse conhecimento. Por outras palavras: organizações mais espertas. A Toyota sempre esteve entre as empresas mais espertas. Porém, na busca pelo crescimento global desenfreado, deu uma prova de que não foram muito espertos.
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A situação da Toyota foi comentada por dois professores do IMD, Bala Chakravarthy e Peter Lorange, no livro "Profit or Growth: Why You Don't Have to Choose" (2). Os autores argumentam que as empresas que têm a intenção de crescer - e não somente de se proteger e de defender posições no mercado - podem expandir-se ao abrirem novos mercados ou ao oferecerem novas competências, mas não ao mesmo tempo. Claramente, esta é uma maneira alternativa de citar os três "nuncas" da Toyota. Outra, ainda, é dizer que o "crescimento global é baseado no que você sabe e em, selectivamente, adquirir novos conhecimentos". Abandonar tudo que se sabe, seja a respeito de mercados, tecnologia, clientes ou ofertas, e fazê-lo de uma só vez, é proceder com pouquíssimo conhecimento.
Um dos principais motivos da existência dos três "nuncas", e por que custou tão caro esquecê-los, é o importantíssimo "conhecimento tácito". Segundo o professor Ikujiro Nonaka, um dos fundadores do campo da "gestão do conhecimento", o conhecimento pode existir em forma "concreta" ou formal, como em documentos, livros ou memorandos, ou em forma "tácita", como o "know-how" de processos já familiarizados. Embora seja relativamente fácil transferir conhecimento em forma concreta, mesmo com grandes distâncias - por "e-mail", fax ou fisicamente - é preciso uma interacção pessoal elaborada para transmitir conhecimento 'tácito'.
Na verdade, talvez nem percebamos que possuímos conhecimento tácito, até que uma conversa com um colega cristaliza o pensamento e o reconhecemos. Ao violar os três "nuncas", abandonamos todas as esperanças de transferir esse conhecimento. Trabalhando em novos produtos, em novos mercados geográficos, com novas fábricas, não há como tirar vantagem ou se beneficiar da exploração de conhecimentos já existentes. Também não será fácil transferir conhecimento tácito através das distâncias físicas e culturais que as três novidades apresentam.
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É muito difícil enfrentar a globalização com sucesso sem a garantia de algum conhecimento que dê à sua organização uma base para tirar vantagem. Talvez a resposta esteja em apoiar-se na oferta de produtos já existentes em novos mercados ou, então, fabricar novos produtos em fábricas já existentes, com mão-de-obra experiente. Ou, ainda, empregar uma equipa de gestores e de colaboradores experientes para resolver novos problemas num mercado já existente. O importante é, sempre, manter algo familiar ao embarcar para algo novo. Contrariar isto, é correr o risco de seguir o caminho errado para o sucesso. Como fez a Toyota.
(1) Paul Ingrassia, "Toyota: Too Big, Too Fast", "The Wall Street Journal", 29 de janeiro, 2010, p. A15. (2) Bala Chakravarthy & Peter Lorange, "Profit or Growth: Why You Don't Have to Choose", (Philadelphia: Wharton School Publishing, 2007)
Bill Fischer é professor do programa Technology Management, no IMD, a principal escola de negócios do mundo, em Lausanne, Suíça, e vai liderar uma sessão de colaboração durante o programa "Orchestrating Winning Performance", do IMD, entre 20 e 25 de junho, 2010.
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