Berlim, a irmã do meio
Aproveitando esta Europa mais pequena, deslumbrada pelos vôos "low-cost", e sem outras pretensões que não fossem fazer turismo, gastei algum tempo bem empregue, há uns meses atrás, numa viagem a Berlim.
Atravessada essa primeira "metrópole" que é o aeroporto hub de Frankfurt - onde mais de 50 milhões de passageiros circulam em 480.000 partidas e chegadas anuais, para 300 destinos mundiais (em 110 companhias aéreas à escolha) - nos fazem, por lei da estatística, perder o medo de andar de avião, eis-me com a ligação feita a Berlim. Tegel é o nome do aeroporto, cuja austeridade arquitectónica, dimensão humana e simplicidade de processos de imediato fazem cair por terra qualquer expectativa "Hollywoodesca" que os mais recentes modelos das famosas marcas alemãs de carros me pudessem ter inspirado. Primeiro embate construtivo: corava com as minhas ideias pré-concebidas com base no "consumo" e olhava agora para a Cidade - esperava, como "turista", perceber qual a quota parte do romantismo europeu ocupada por esta urbe, irmã do meio de Paris e Londres; esperava, como "viajante", levantar o véu atrás do qual o nosso Antigo Regime nos privou da Europa - e não me desiludi. Em Berlim coabitam ascenção, queda e regeneração. E um outro Século XX.
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Potsdamer Platz, devastada na II Guerra, agrilhoada na Guerra Fria. Aqui, o nome "Sony" reina agora sobre uma obra bem maior do que o timbre de entertainment associado à marca pudesse sugerir, e releva a inteligência negocial, política, por detrás da canalização do investimento privado essencial à "ressureição" da nova Berlim; o "Sony Center" (que inclui escritórios, restaurantes, a "Filmhaus" que alberga a "Colecção Marlene Dietrich" e ainda o histórico Esplanade Hotel) é espantoso pela visita que a sua arquitectura sugere. A acústica genial gera o silêncio das milhares de pessoas que por lá passam; a sua luminosidade pacífica enche os olhos - não há, nem é preciso, outra "animação". Algures entre vidro e aço, fotografias de "As Asas do Desejo", película maior de Wim Wenders, 1987.
A partir da Praça, em todas as direcções, feita com paralelos de granito, reina uma linha embutida no chão. Essa linha tem, de tantos em tantos metros, placas de cobre identificativas: "Berlin Mauer, 1961-1989". Como se não fosse possível deixar de (re)pensar a Cidade a partir dali, a linha ziguezagueia, evoca o tumulto político com que as violências internacionais deixaram sozinha esta "irmã do meio", entre Washington e o Kremlin. O edifício do "Deutsche Bahn" (Transportes Públicos da Alemanha), investimento que orgulhosamente preside à Praça, proibe-me qualquer complacência; a massa elegante desta construção faz até o mais desinteressado sentir-se representado - partilhamos a mesma Europa. A ideia de "Estado" e "Progresso" continuam, com obstinação saudável, presentes. Está lá o néon que o subprime não apagou: "Price, Waterhouse&Coopers". Mas por trás do outro, o tal que diz "Deutsche Bahn".
Ainda há Fronteiras?
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