João Vieira Lopes 12 de Agosto de 2010 às 11:53

Liberais, modernos e originais

Existe em Portugal uma história de acolhimento superficial e acrítico das "modas" políticas, ideológicas e culturais.

O espectro partidário que surgiu no período subsequente ao 25 de Abril é um bom exemplo. Como "parecia mal" não ser pelo socialismo, não só a nossa Constituição, independentemente dos seus méritos, incorporou uma forte carga ideológica "a caminho do socialismo", como as designações dos partidos políticos surgem desfocadas do seu posicionamento. Temos um partido social-democrata que se chama socialista, um partido de forte conotação liberal que se designa por social-democrata, e um partido conservador que se assume como centrista na sua designação.

Ultrapassadas as ilusões dos modelos sociais e de enquadramento económico estatizantes, seguiu-se o culto do liberalismo, de uma forma superficial, assumido como resposta mágica para todos os males do passado e antevendo-se "o fim da história". É claro que o estatismo já demonstrou a sua falência e que o modelo social europeu não é sustentável no seu actual formato - e sê-lo-á tanto mais quanto o modelo económico se mantiver centrado em factores de competitividade-custo e com reduzida capacidade para inovar e gerar serviços de maior valor acrescentado. Mas isso não significa o desregulamento total da economia. A crise do subprime, recorde-se, foi ontem.

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Os nossos opinion makers, parte da comunicação social e os dirigentes das "jotas" - recém saídos das universidades (também elas em grande parte convertidas ao pensamento liberal) primeiro nos gabinetes e depois assumindo ou aspirando a funções governativas mais elevadas, vestiram rapidamente a roupagem liberal. E vieram juntar-se, com medo de serem considerados fora de moda, alguns políticos de gerações anteriores que pensam ficar assim como arautos da modernidade.

Vem tudo isto a propósito do modo como tem sido abordado o tema da liberalização dos horários do comércio, apresentado pelo governo como um problema de consumidor, de discriminação e de municipalismo, a que acrescentou os temas da criação de emprego e do aumento das receitas fiscais.

Problema de consumidor? Porque não abrir então todos os serviços públicos ao fim de semana. Discriminação? Quando a quase totalidade dos pontos de venda abrangidos abriram, as regras do jogo já eram conhecidas. Poderes para os municípios? A influência de uma grande unidade comercial abrange vários municípios, por isso em toda a Europa estas decisões são tomadas a nível nacional ou, quanto muito, a nível estadual/regional. Criar emprego? O saldo do emprego no comércio em dez anos é de dois mil novos empregos apesar dos novos milhões de metros quadrados de grandes unidades, enquanto o desemprego subiu de sessenta para quase noventa mil. Maiores receitas fiscais? Num período de estagnação, as transferências de consumo não produzem aumentos de receitas.

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A pobreza dos argumentos e a (eventual) má consciência dos responsáveis apenas podem ser entendidas para justificar o modo atabalhoado e pouco transparente como todo o recente processo foi conduzido, criando suspeições legítimas quanto aos compromissos que lhe estão associados.

A realidade, porém, tem um âmbito muito mais profundo. Estamos a discutir não um simples problema de consumidor mas, acima de tudo, um modelo com contornos sociais e económicos. Em primeiro lugar, um modelo social em que o indivíduo (empresário ou trabalhador) é consumidor (também) mas não deve deixar de ter disponibilidade para usufruir de períodos de descanso que compensem um sistema de vida com ritmos cada vez mais intensos. Por isso os serviços públicos estão encerrados ao fim de semana. Nesse período, tem apenas sentido funcionarem serviços mínimos e de conveniência, transportes e instituições culturais, desportivas, de turismo, etc., como sucede em toda a Europa. Não é por acaso que, em 15 países analisados, apenas dois não têm restrições à abertura do comércio ao Domingo.

Em segundo lugar, trata-se de um problema económico importante. Liberalizar desde os licenciamentos aos horários, utilizando o que nesse sentido é mais favorável na legislação europeia. é negativo. Com isso favorece-se o aumento de quota de mercado e a concentração na distribuição, o que é um problema que atinge não só o comércio independente mas também as PME da indústria e da agricultura: todos estão a ser esmagados, com consequências graves em termos de emprego. Por isso, o Conselho Económico e Social Europeu já começou a preocupar-se e a abordar estes temas.

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Na situação económica em que vivemos em Portugal, dar incentivos ao consumo a favor de algumas das empresas incluídas nas listas dos maiores importadores nacionais é um paradoxo, um verdadeiro "tiro no pé" em relação às medidas de combate ao défice externo, retoma do crescimento económico e redução do desemprego.

Não se trata de impedir qualquer tipo ou formato de comércio - todos contêm elementos positivos - mas de regular o seu equilíbrio e funcionamento. Esta deve ser a principal orientação de um Estado moderno, em nome dos interesses da economia do país e dos cidadãos que nela se integram.

Presidente da CCP - Confederação do Comércio e Serviços de Portugal

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