Fernando Braga de Matos 10 de Agosto de 2009 às 11:36

Mercados financeiros e ventania (parte I )

Agora que Keynes ressurgiu dos mortos, a hipótese dos mercados eficientes (HME) levou um rude abalo, as finanças comportamentais perguntam onde as estão a arrumar, e os bancos centrais lá vão dirigindo à bolina, sem livro de instruções, é realmente...

(Onde o autor, veraneando em Moledo(1), assegura que a "ventania" do título não é a da crise mas a do local, enquanto se inquire sobre mercados financeiros, revelando ao mundo ansioso as suas inclinações quanto a teorias e contra-teorias vigentes - em momentos de grande vigor intelectual. Sempre com os olhos nas bolsas, claro…)

Agora que Keynes ressurgiu dos mortos, a hipótese dos mercados eficientes (HME) levou um rude abalo, as finanças comportamentais perguntam onde as estão a arrumar, e os bancos centrais lá vão dirigindo à bolina, sem livro de instruções, é realmente interessante ir lendo o que se publica, em busca da resposta do milhão de dólares. As grandes crises originam normalmente uma doutrina que se ajuste, aplique e dê rumos, mas nesta ainda nada feito, como escrevi há meses. Porém, decorre inevitavelmente um intenso debate, donde sairá, penso eu, mais um consenso relativo que uma revelação, bem como a segurança que os campos extremos vão prosseguir sem grandes concessões.

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Comecemos por distinguir claramente mercados financeiros de mercados de bens e mercadorias, pois pode razoavelmente pensar-se que não funcionam da mesma maneira, pelo menos intervalarmente. Curiosamente, Samuelson, um keynesiano, no seu "Economics", introduzia uma subtil diferença, exemplificando o equilíbrio dos mercados de bens e serviços e declarando, lesto, que "com os mercados financeiros é a mesma coisa". Significativo?

O que é certo é que a fantástica evolução da ciência financeira, eclodindo em inovações "xtreme", introduziu elementos de perturbação dos equilíbrios, não previstas nem imaginadas, pois toda a novidade, antes de afinar, tem que passar pelo teste da aplicação, submetida a alterações de cenários e até a erros humanos, como os gerados pela "hubris".

Dizem os defensores que este tremendo colapso ocorreu por isso mesmo, mas a verdade é que há muito a HEM falhava nos teste de realidade e os dados factuais não davam suporte, bem pelo contrário, só as equações aprovavam. Se os mercados se ajustam sempre num preço de equilíbrio que implica uma perfeita alocação de activos, como se explicam as bolhas especulativas e os "crashes"? Lembro-me, perfeitamente, que, quando estava a escrever o "Ganhar em Bolsa", aí por 1991, suportado em 20 anos de dados da Bolsa de Nova Iorque e na minha própria experiência, concluí que as coisas não batiam certo. Nem aí, nem na teoria "Random Walk", sua parente, e aplicável às bolsas. Depois, passei pelos ditos de Lynch ("Nunca liguei à HME. Há 40 anos que vejo 'Tendências'", de Buffett ( "Se a HME fosse verdadeira, eu seria um mendigo a vender lápis pelas esquinas") ou Markowitz, este um Nobel e académico, "os mercados não são eficientes, porque há investidores irracionais"). Ainda levei um banho de fama (o académico, não a "glória"), por uma questão de rigor intelectual, e Deus premiou-me com uma série de ideias magníficas tiradas do dito, para estruturar a minha obra.

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A teoria da perfeição dos mercados já existia bem antes, originada em Adam Smith, e teve a sua via sacra quando o secretário do Tesouro Walter Mellon preconizou, em inícios da Grande Depressão, que se devia deixar "liquidar" os activos apodrecidos, seguro que os mercados regenerariam por si (este pensamento ficou conhecido, apropriadamente, por "liquidacionismo").

"Enters" Keynes, opondo-se, e afirmando que os mercados são ineficientes, pelo que a famosa "mão invisível" devia ser substituída pela "mão visível" do Banco Central (e a do Estado).

Rejuvenescido pelo forte pensamento de Minsky, o "kynesianismo" obteve novo alento com a economia da depressão, e forte apoio de Krugman, graças ao protagonismo da coluna do "New York Times", mais que a atribuição do Nobel.

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Não posso deixar de referir, malevolamente, que o milagre económico de Hitler (ou melhor, do ministro das Finanças, Shacht (2)), após uma inflação de 200.000% (mais coisa menos coisa) e seis milhões de desempregados, seguiu um caminho similar. Até dá que pensar na semelhança das recuperações consolidadas, provavelmente provocadas pelas economias de guerra que se estabeleceram, na Alemanha antes dos Estados Unidos.

Mas, se as receitas de forte regulamentação (que a doutrina parece-me bem que não exige), deixaram as economias estagnadas e inflacionadas, a globalização e o comércio internacional, cada vez mais livre, deixaram o "keynesianismo" de pantanas. Uma doutrina que exige um certo tipo de controlo das taxas de juro e de câmbio, obriga, no fundo, a fronteiras fechadas ou apenas entreabertas - como Medina Carreira se farta de recordar.

Então, "no, we can ´t", estamos lixados? Não é o que dizem os sábios e basta pensar nas soluções pragmáticas que incluem o melhor dos dois mundos.

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Nota - Na próxima crónica a luta continua . Se não aguentar a ansiedade, tome um Valium - a velha receita.

(1) Local onde este autor passa, em Agosto, 31 dias não remíveis.

(2) Foi julgado em Nuremberga e absolvido. Por mim, bem podia substituir o ministro Teixeira dos Santos, que, agora, virado político, já ganhou aversão à verdade, na esteira de alguém que eu, discretamente, não refiro.

(2) Foi julgado em Nuremberga e absolvido. Por mim, bem podia substituir o ministro Teixeira dos Santos, que, agora, virado político, já ganhou aversão à verdade, na esteira de alguém que eu, discretamente, não refiro.

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Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote) e "Bolsa para Iniciados" (ed. Presença) fbmatos1943@gmail.com

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