André Pires de Carvalho andre.carvalho@bain.com 14 de Setembro de 2009 às 14:49

O desafio colocado pelas marcas próprias da distribuição

Há 15 anos, em Portugal, numa compra de supermercado com um valor equivalente a 100 euros, a chamada insígnia ou marca própria do distribuidor representava cerca de 9 euros. Hoje, esse valor é de 33 euros; ou seja, os fabricantes perderam quase 25% da...

Há 15 anos, em Portugal, numa compra de supermercado com um valor equivalente a 100 euros, a chamada insígnia ou marca própria do distribuidor representava cerca de 9 euros. Hoje, esse valor é de 33 euros; ou seja, os fabricantes perderam quase 25% da sua quota de mercado em vendas de produtos de marca para produtos como o leite desnatado Pingo Doce, o fiambre da perna Continente, ou aqueles de lojas "discount" como o Lidl, onde quase 70% dos produtos vendidos são etiquetados com uma das suas muitas próprias marcas.

Dada a actual conjuntura e dinâmica do sector de distribuição em Portugal, as marcas próprias ainda têm um elevado potencial de crescimento. A sua penetração actual de 33% no nosso país compara-se a valores superiores a 40% na Inglaterra e na Alemanha, e a 50% na Suíça, sendo que o nível de sofisticação e atractividade do portfólio de marcas próprias que se encontra nas prateleiras dos supermercados portugueses ainda está longe daquela com que se depara o consumidor inglês que realiza as suas compras na Tesco ou na Sainsbury's, por exemplo.

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Esse crescimento, vindo a acontecer, implica que alguns fabricantes de marca vão necessariamente ver a sua quota de mercado reduzida. Os que ficarão a ganhar (ou a não perder) são aqueles que consigam definir uma estratégia eficaz face ao desafio colocado pelas insígnias da distribuição.

Para se perceber o papel dos diferentes elementos que constituem um modelo de defesa adequado, é útil resumir a essência do que representa o fenómeno da marca própria e perceber quais são os principais factores que explicam o seu crescimento.

Em primeiro lugar, o fenómeno existe, simplesmente, porque os três principais agentes económicos envolvidos - o consumidor, o distribuidor e o fabricante - ganham com isso. Tanto os distribuidores como os fabricantes que lhes fornecem os produtos de marca própria têm de obter alguma rentabilidade económica, pelo menos a médio e longo prazo. É também imprescindível haver consumidores que considerem a relação valor-preço desses produtos superior à dos produtos de marca. Se a marca própria é mais relevante em alguns países do que noutros, é porque a força desses incentivos económicos para os três agentes varia por mercado.

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O incentivo do lado da oferta é crucial: das várias explicações para as diferenças de penetração por mercado, talvez a principal seja o nível de concentração do sector de distribuição. Na Suíça, onde duas cadeias, a Migros e a Coop, concentram quase 60% do mercado, a marca própria tem uma penetração de 54%. No extremo oposto, em Itália, as duas maiores cadeias não chegam aos 20% de quota e a marca própria só atinge 16% de penetração. Já em Portugal, Jerónimo Martins e Sonae juntas possuem cerca de 40% de quota. Assim, quanto maior o poder económico dos distribuidores, maior a capacidade e o incentivo económico para controlar o supply chain e oferecer marcas próprias.

Há também um efeito cumulativo de "experiência" que afecta os incentivos económicos tanto do lado da oferta quanto da procura: à medida que o tempo passa, os distribuidores vão sendo cada vez mais eficazes e inovadores na gestão do seu portfólio de marcas próprias, gradualmente melhorando a sua proposta de valor, principalmente no que diz respeito à qualidade. Isso leva a que mais consumidores experimentem a marca própria, fiquem satisfeitos, e voltem a repetir. As crises económicas são perigosas para os fabricantes de marca por isso: os consumidores têm incentivos adicionais a poupar comprando produtos mais baratos. Descobrindo que com a marca própria nem sempre sacrificam qualidade, numa recuperação económica, há uma parte dos consumidores que não vai, em algumas categorias, regressar ao produto de marca. Finalmente, a percepção sobre essas marcas ao longo do tempo tem vindo claramente a melhorar (pergunte a um consumidor inglês o que pensa sobre a marca "Tesco Finest", ou a um espanhol sobre a "Hacendado", duas marcas próprias da Tesco e do Mercadona, respectivamente).

Complicando a coisa ainda mais para os fabricantes, os distribuidores descobriram que as marcas próprias servem para não só servir consumidores mais sensíveis a preço, mas também para diferenciar a sua imagem e fidelizar os clientes; pior: que a marca própria lhes serve como arma de negociação com os fabricantes de marca.

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Mas qual tem sido historicamente a reacção dos fabricantes de marca? À medida que as cadeias de distribuição foram ganhando dimensão e sofisticação na gestão da sua supply chain, e aumentando a sua oferta de marca própria, os fabricantes foram arriscando iniciativas para evitar serem eles a perder espaço nas prateleiras. No entanto, em grande parte das vezes, essas iniciativas apresentavam uma lógica de rentabilidade duvidosa e de carácter irreversível.

Entre outros, um exemplo comum é a iniciativa de passarem eles próprios - os fabricantes de marca - a fornecer os produtos de marca própria às cadeias de distribuição - nesse caso com margens muito apertadas ou mesmo negativas.

Quando essas medidas acusam ser ineficazes ou até contraproducentes, o mais provável é que se tenha realizado um diagnóstico simplista por parte do fabricante.

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Para grande parte das categorias, o modelo mais eficaz consiste em utilizar uma combinação de ferramentas tradicionais em produtos de consumo, ferramentas estas que têm o objectivo de manter a vantagem em termos de proposta de valor da marca tradicional versus a marca própria.

A título ilustrativo, num estudo recente conduzido pela Bain nos Estados Unidos, descobriu-se que, durante os últimos dois anos, aquelas marcas que haviam mantido um elevado ritmo de inovação, continuando as campanhas de publicidade e evitado reduzir preços, tinham entre 30 a 50% mais probabilidade de ganhar quota de mercado.

Em alguns casos, também é possível entrar em alianças com o distribuidor, criando, por exemplo, variações de produtos específicos para uma determinada cadeia. Mas em todos os casos, é crucial encontrar oportunidades de reduzir custos para poder reinvestir na marca e na inovação. Só em algumas categorias específicas, e para algumas empresas, é economicamente interessante entrar na produção simultânea de marcas próprias (e quando o fazem devem ter extremo cuidado se querem fazê-lo de maneira rentável).

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A selecção das iniciativas mais adequadas depende principalmente das características da categoria de produto e da força que a marca da empresa tem junto ao consumidor. Para começar, recomendo que o fabricante responda em detalhe a quatro grandes questões: qual é o papel deste produto no portfólio do distribuidor? Que oportunidades de inovação e de espaços Premium existem? Quanto e a que custo se pode melhorar a imagem da marca? Como se compara a minha estrutura de custos com a de outros concorrentes (incluindo os que fazem marca própria)?

A marca própria veio para ficar e "incomodar" os fabricantes de marca tradicional - em Portugal, a primeira será ainda mais forte e atractiva para o consumidor, sendo que os fabricantes que não saibam como defender as suas marcas podem ter muito a perder - mas também é verdade que nem todos têm necessariamente de lhes dar lugar…

Manager da Bain & Company

andre.carvalho@bain.com

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