Saber o que fazer, mas não querer
Segundo, pela influência do poder económico sobre a tomada de decisão política: os nossos empresários consideram, com excepções, que estão sujeitos a uma altíssima taxa de tributação (o que não é verdade em termos europeus), contestam pelo menos há 30 anos o "peso" da Taxa Social Única que, comparativamente, não é das mais elevadas e cuja redução irá ficar como um dos maiores erros recentes, mas gostam de fazer negócios com o Estado (temos as Obras Públicas, as célebres Parcerias Público-Privadas, os hospitais privados com acordos públicos, etc.).
PUB
Terceiro, a captura da decisão política pelo poder regional e local. Houve a época em que o segundo foi determinante para a proliferação dos centros de saúde, de hospitais, de institutos politécnicos que respondiam a certos objectivos mas não às necessidades reais da população. E no que respeita ao primeiro? Bom, aqui o exemplo é sempre o mesmo: o presidente da Região Autónoma da Madeira a exigir, e a conseguir, um tratamento financeiro de excepção e a violação sistemática das regras orçamentais.
Quarto, e último, a criação de institutos públicos, empresas municipais e fundações que na esmagadora maioria dos casos mais não são do que uma péssima prática de desorçamentação e de criação de cargos bem remunerados para amigos e conhecidos.
Todos estes factores têm contribuído para um enviesamento das decisões políticas, longe do que serviria ao País e aos portugueses, a um aumento continuado da despesa pública, assumida ou encapotada e ao aumento do fosso entre os trabalhadores em geral (privados ou públicos) e os "favorecidos".
PUB
Sendo verdadeira a influência da crise internacional sobre uma economia estruturalmente frágil como a nossa, também é certo que as tremendas dificuldades que os sucessivos governos têm demonstrado na consolidação das nossas finanças públicas têm na sua base os factores anteriores. Todos são capturados, em graus diferentes, por grupos de interesse legítimos ou não. Mas não há nada melhor do que parecer que muito está a mudar: criam-se sucessivos (e por vezes, sobrepostos) grupos de trabalho, aumenta a informação relativa à execução orçamental, aumenta-se o poder das inspecções, cria-se a figura dos Controladores Financeiros nos ministérios (agora, 8 anos depois, assume-se a sua ineficácia), o Tribunal de Contas expande a sua actividade de auditoria financeira, cria-se na Assembleia da República a Unidade de Apoio Técnico Orçamental (UTAO) que não só tem enfrentado escassez de recursos técnicos como dificuldades de acesso à informação e estamos a um passo de ter em funcionamento o novo Conselho de Finanças Públicas sobre o qual muitos depositam as maiores expectativas.
Afinal, com estudos exaustivos, auditorias, reforço do controlo orçamental e da actividade financeira do Estado, o que tem faltado? A resposta pode ser dada por algumas das recomendações da OCDE no estudo publicado em 2008 - "Avaliação do Processo Orçamental em Portugal": maior transparência e credibilidade do Orçamento do Estado; desenvolvimento de informação fiável sobre o desempenho dos ministérios sectoriais e da gestão pública, em geral; reforço do controlo e responsabilização ao nível do Sector Empresarial do Estado, Governos Regionais e Administração Local.
As recomendações da OCDE são óbvias e possíveis de implementar. Mas exigem tempo, mesmo que haja vontade política. Em alternativa segue-se (sempre) a receita mais simples: aumentar impostos (e retrair mais a economia), reduzir ainda mais a despesa na Saúde (e degradar o acesso e qualidade dos cuidados) e das prestações sociais (e aumentar a taxa de pobreza). Se resulta, porquê fazer mais e melhor?
PUB
Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista. Assina esta coluna mensalmente à segunda-feira
Assina esta coluna mensalmente à segunda-feira
Mais Artigos do autor
Mais lidas
O Negócios recomenda