Cláusula desacertada
Nela se prevêem os factos naturais ou humanos que poderão obstar ao cumprimento das obrigações no âmbito dos serviços da rede nacional de emergência e segurança operacional, sem que daí possa resultar qualquer responsabilidade imputável ao SIRESP.
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A doutrina e a jurisprudência densificaram, ao longo do tempo, a "força maior" como causa legítima de incumprimento contratual e de exclusão de responsabilidade, sendo, reconheça-se, recorrente nos clausulados de direito privado e administrativo.
A polémica ganhou relevo com a iniciativa da ministra da Administração Interna de solicitar uma "análise jurídica independente" à cláusula dezassete de molde a aferir a eventual responsabilidade do SIRESP na catástrofe de Pedrógão Grande.
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Na discussão espoletada com a divulgação pública deste pedido do Governo, formaram-se opiniões no sentido da defesa da cláusula com base no facto de constituir prática jurídica recorrente ou no sentido da sua rejeição com o argumento de que o SIRESP visa assegurar precisamente a operacionalidade do sistema de comunicações em situações de força maior, pelo que esta cláusula, neste contrato em particular, seria inválida.
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Desiludam-se, no entanto, os que julgam que a inexistência desta cláusula no contrato salvaguardaria o Estado uma vez que, mesmo que não constasse do clausulado, as causas de força maior poderiam, ainda assim, ser invocadas como causa de exclusão da responsabilidade.
Desenganem-se, igualmente, aqueles que pensam que a cláusula deveria ter sido construída de forma inversa, ou seja, estipulando a manutenção das obrigações do fornecedor mesmo em casos de força maior. Só toldados por uma visão puramente demagógica poderemos ser levados a pensar que os parceiros privados nas operações de "project finance", vulgo PPP como é o caso, poderão ser impelidos a aceitar a assunção da totalidade do risco.
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Perante isto, qual poderia ter sido a solução?
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A resposta poderá estar na doutrina jurídica que distingue o caso fortuito do caso de força maior. Enquanto o caso fortuito "stricto sensu" respeita a fenómenos naturais estranhos à acção humana ("act of God"), o caso de força maior visará a factos promovidos por terceiros pelos quais as partes não são responsáveis.
Assim, e como consta na redacção da cláusula dezassete do contrato divulgada pela comunicação social, os casos de força maior como os "actos de guerra ou subversão, hostilidades ou invasão, rebelião, terrorismo ou epidemias" poderiam excluir a responsabilidade do SIRESP, uma vez que, no limite, o Estado deveria ou poderia prevenir tais eventos. Já nos casos fortuitos ("raios, explosões, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais"), a responsabilidade do SIRESP não deveria ser excluída, mantendo-se a sua obrigação de manter a rede nacional de emergência e segurança operacional sem falhas.
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O "desacerto" da cláusula dezassete é tratar de forma igual diferentes situações, não distinguindo o que é caso fortuito e caso de força maior e não balanceando equitativamente os diferentes tipos de risco à luz do princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos.
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Advogado
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