Deixar de prejudicar é um benefício?
Não é a mesma coisa um ordenado de 1.000 euros alimentar, vestir, dar habitação a uma família de duas ou de seis pessoas. A casa onde habitam tem de ter um tamanho diferente (com um imposto que também não olha à dimensão da família), necessitam de muito mais água (paga em muitos municípios a um custo unitário superior quanto maior é a família), os custos de alimentação no mínimo triplicam (se não contarmos com o apetite voraz de filhos adolescentes), o monte de roupa para lavar quadruplica e a eletricidade é paga a um custo de potência superior, já para não falar dos custos escolares (todos sabemos quanto custa uma creche), transportes…
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Durante o mês de Agosto o Negócios associa-se à consulta pública sobre a reforma do IRS convidando juristas, economistas e académicos a discutirem as suas características e a sua oportunidade. Hoje contamos com Ana Cid Gonçalves, secretária-geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, que defende alterações ao nível do quociente familiar.
Durante anos, muitas famílias têm sido consideradas ricas para o IRS, mas não conseguem aprovação de um empréstimo para obras numa casa porque o banco as considera pobres.
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A proposta de reforma do IRS vem corrigir a injustiça do tratamento fiscal das famílias com filhos a cargo. Reconhecer que estas famílias têm objetivamente um conjunto acrescido de despesas que diminui a sua capacidade contributiva é uma questão de justiça que está, aliás, constitucionalmente consagrada.
Não se poderá em caso algum afirmar que se trata de um benefício ou de um favorecimento e muito menos que é feita em benefício de uns e em detrimento de outros.
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Os impostos têm uma função redistributiva. É por essa razão que quem ganha menos paga menos e quem ganha mais paga mais. O facto de os impostos serem mais baixos para quem tem mais baixo rendimento alguma vez suscitou um discurso de estar a ser prejudicado quem tem maiores rendimentos? Mas a função redistributiva só é cabalmente cumprida se for justamente atendido o número de pessoas que vivem do rendimento.
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Apesar do muito que se tem dito e escrito, esta não é uma reforma para as famílias numerosas. Destas apenas 78.600 serão abrangidas. Esta é uma reforma para as 1.300.000 famílias com filhos a cargo, das quais mais de 1.200.000 com um ou dois dependentes. É isto mesmo que defendemos, um filho vale um, cada criança que nasce é um cidadão que beneficia toda a sociedade em que vivemos.
É aliás uma medida que gera consenso nos vários partidos políticos. Ainda recentemente, uma recomendação ao Governo para legislar neste sentido foi aprovada no Parlamento sem qualquer voto contra.
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É esta a principal razão por que esta medida deve ser implementada, por trazer mais equidade e justiça ao nosso sistema fiscal. Por outro lado, todos reconhecemos que a natalidade em Portugal atingiu níveis catastróficos. Sendo verdade que não é, por si só, uma alteração destas que irá promover a natalidade, ela é um sinal importantíssimo no princípio de uma nova cultura e num ambiente mais favorável para as famílias com filhos. Porque as políticas públicas fazem cultura e porque políticas que prejudiquem as famílias com dependentes dão sinais adversos à natalidade.
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Esta ideia é reforçada no recente estudo à fecundidade promovido pelo Instituto Nacional de Estatística e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Fica claro nesse estudo que a medida mais frequentemente referida como a "mais importante" é "aumentar os rendimentos das famílias com filhos", onde assumiam particular relevo a redução dos impostos sobre as famílias com filhos e o aumento das deduções fiscais.
É certo que não é uma medida avulsa que vai criar o ambiente necessário para inverter a natalidade do nosso país, mas um conjunto alargado de medidas onde esta se enquadra.
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É preciso que um pai ou uma mãe quando se levantam de manhã saibam pelo menos que não vivem num país que os hostiliza nessa sua condição.
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Na proposta apresentada há que destacar (1) a inclusão do quociente familiar, (2) o alargamento da idade até à qual o filho pode ser considerado dependente e (3) a extensão do limite de idade dos vales sociais. Trata-se em todos os casos de construir respostas para a realidade das famílias e atender a necessidades concretas.
Contudo, estamos a falar de uma proposta que está ainda em discussão pública, passível de ser melhorada. É nosso entendimento, por exemplo, que, quando falamos em tratamento equitativo relativamente à dimensão da família, deveríamos também falar dos ascendentes dependentes.
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Por outro lado, um quociente familiar de 0,3 por dependente é manifestamente baixo. Em França esse quociente é de 0,5 para o primeiro e segundo filhos, e de 1 a partir do terceiro. Seria importante que fosse já pensado e definido um nível mais justo e adequado.
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Mas, o mais importante será mesmo que o limite por efeito de aplicação do quociente familiar seja definido por dependente e não por família. Se a atual proposta não for alterada, esse limite será, por filho, de 1.500 euros para uma família com um filho, de 750 euros para uma família com dois filhos e de 500 euros para uma família com três filhos. Isto, sim, seria persistir na discriminação negativa das famílias numerosas.
Secretária-geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas
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Este texto é escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico
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