André Fontes 11 de Novembro de 2020 às 11:51

Em equipa que perde ninguém se mexe

As sequelas deste vírus a longo prazo passam pela estagnação profissional. Pergunte a si mesmo quantos anos de experiência tem e perceba se tem efetivamente esses todos de aprendizagem efetiva ou 1 de experiência e outros 19 a fazer a mesma coisa?

Comecemos este artigo sobre CYA com um pequeno teste de resposta rápida. Se, por acaso, não sabe o que quer dizer esta abreviação, não se preocupe. A explicação vem logo de seguida.

 

PUB

Ora vamos lá então: com qual destas afirmações se identifica?

 

1. Tenho um projeto / tarefa em mãos que não avança por razões burocráticas.

PUB

 

2. Estou à espera de uma autorização / revisão para avançar com um projeto / ideia.

 

PUB

3. Tenho uma média de 3 reuniões por dia.

 

4. Mais de 50% do meu tempo de trabalho é passado a responder a emails.

PUB

 

5. Passo mais tempo a resolver os problemas dos meus colaboradores, do que a concluir as minhas tarefas.

 

PUB

Se respondeu afirmativamente a 3 ou mais destas questões, então sabe perfeitamente o que é a estratégia CYA (pode não saber exatamente o que quer dizer, mas experiencia-a no seu dia a dia).

 

O contexto pandémico que vivemos, ajuda a perceber um pouco melhor o assunto. E antes de continuar a ler, ponha já a máscara porque, sim, trata-se de um vírus!

PUB

 

Mais concretamente do tipo "Cover-Your-Ass". É extremamente contagioso e tem um potencial mortal enorme quando se espalha no seio empresarial, aniquilando líderes e trabalhadores que se perdem em tarefas e projetos inacabados para sempre.

 

PUB

Atua nos indivíduos especialmente quando não se saber fazer algo; não se quer fazer algo ou não se quer interagir com outros. Estar com CYA significa, naturalmente, sacrificar alguém e "safar-se".

 

Aqui não há etiqueta respiratória que sirva de prevenção, nem distanciamento social que o valha. Pelo contrário, uma comunicação eficaz e próxima q.b. pode ser precisamente a cura deste vírus.

PUB

 

Anatomia de um infetado

 

PUB

Um portador de um vírus CYA é, regra geral, um trabalhador com pouca capacidade de iniciativa, reduzida proatividade, que tende a transferir as suas responsabilidades para os seus colegas ou superiores hierárquicos e que, por isto, é incapaz de terminar as suas tarefas ou projetos. Costumam falar bem: há os que falam e há os que fazem, por vezes os que falam, falam tão bem que até parece que fazem.

 

E quando o vírus CYA chega ao topo?

PUB

 

Todos sabemos que Donald Trump estar infetado por um vírus, não é o mesmo que um comum mortal estar infetado pelo mesmo. É como se, por obra da natureza, os efeitos fossem 10 vezes mais agressivos e o impacto da doença atingisse uma dimensão estratosférica. Todos querem saber o que se passa. Aquela ideia de que "se ele está, qualquer um pode mesmo ficar assim". E por falar em Trump observem a reação CYA por perder as eleições. A verdade é que, quando a infeção vem "de cima" é ainda mais contagiosa e isto no seio empresarial é óbvio. Chama-se cultura organizacional.

 

PUB

Os líderes com CYA assumem um comportamento defensivo, apresentam uma incapacidade geral para assumir erros evocando falhas de comunicação, fogem de conversar com a equipa refugiando-se no seu excel, acusam a equipa de falta de capacidade. São peritos em tornar a sua empresa num autêntico campo de futebol onde a sua função é distribuir bolas. Defendem-se no templo da ocupação, só saindo para reuniões inúteis onde reafirmam estar constantemente "debaixo de água" ou "a mil".

 

5 Estratégias dos líderes com CYA

PUB

 

1. Contratam consultores para validar decisões já tomadas ou assumir os erros de estratégias que não resultam por inércia interna.

 

PUB

2. Constroem bunkers. Têm sempre o seu refúgio, as suas salas de segurança, para onde fugir quando a coisa corre mal. Geralmente são salas virtuais como é a "Comissão executiva", a "Administração" ou o "Board".

 

3. Culpar a direção anterior em caso de crise. Há sempre um bode expiatório que vem à tona nos piores cenários a quem é fácil incutir a culpa do mau funcionamento atual da equipa ou organização.

PUB

 

4. Centralizar tudo neles em termos de decisão. Estes são denominados os chefes eucaliptos que secam tudo à sua volta e não dão visibilidade à equipa e normalmente têm escrito no seu epitáfio: "aqui jaz um gestor que nunca teve tempo."

 

PUB

5. Discutir o propósito de uma tarefa ou trabalho e o foco dele ser o processo. Isto acontece porque é mais difícil discutir conteúdo do que estrutura. Todos conseguem opinar sobre estrutura, mas poucos sobre o sumo do que lhe está inerente. É o chamado, em inglês, "Process for the sake of process".

 

Os efeitos óbvios de não produção e resolução de questões do dia a dia da empresa, custa muito tempo e dinheiro a qualquer organização e, especialmente quando vem de cima, potencia uma cultura de medo que é difícil de contornar.

PUB

 

Talvez seja precisamente por isso que, enquanto no nosso dicionário "responsabilidade" significa algo como "honrar compromissos sob pena de sofrer as suas consequências", no dicionário anglo-saxónico, significa apenas "honrar compromissos". Nesta segunda definição muito mais objetiva, não entra a dimensão das consequências. Não entra a cultura paralisante do medo.

 

PUB

Este tipo de liderança atravessa hoje um desafio acrescido que é o do contexto atual de teletrabalho imposto. Se o papel do líder com CYA for essencialmente controlar o tempo de trabalho dos seus subordinados, significa que este vai perder total ou parcialmente o controlo da sua principal (e, às vezes, única) tarefa.

 

Sequelas a longo prazo

PUB

 

Os números são assustadores, mas reais. Mais de 80% dos líderes não são bons na sua principal tarefa de gestão de pessoas e tarefas e muitos porque estão contaminados com CYA.

 

PUB

É raríssimo encontrar um bom líder, um que não microgere os problemas da equipa ou de cada colaborador, mas que os ajude a solucionar os mesmos e os motive a fazê-lo. Que pergunte diariamente "o que posso fazer para facilitar a tua vida?".

 

As sequelas deste vírus a longo prazo passam pela estagnação profissional. Pergunte a si mesmo quantos anos de experiência tem e perceba se tem efetivamente esses todos de aprendizagem efetiva ou 1 de experiência e outros 19 a fazer a mesma coisa?

PUB

 

Porque o prémio de justificarmos constantemente as nossas limitações é o de continuarmos com elas e o preço a pagar por isso é o de termos sempre uma história para contar que começa com "era uma vez um projeto que nasceu em terra de ninguém e em terra de ninguém ficou." Muita iniciativa e nenhuma acabativa.

 

PUB

Consultor e Professor de Liderança e Gestão de Talento na Porto Business School e no IPAM.

Autor dos livros "Disse-me um velho marinheiro" e "Tudo o que o velho marinheiro não me disse"

Mais Artigos do autor

Mais Artigos do autor

Pub
Pub
Pub