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Em equipa que perde ninguém se mexe

As sequelas deste vírus a longo prazo passam pela estagnação profissional. Pergunte a si mesmo quantos anos de experiência tem e perceba se tem efetivamente esses todos de aprendizagem efetiva ou 1 de experiência e outros 19 a fazer a mesma coisa?

Comecemos este artigo sobre CYA com um pequeno teste de resposta rápida. Se, por acaso, não sabe o que quer dizer esta abreviação, não se preocupe. A explicação vem logo de seguida.

Ora vamos lá então: com qual destas afirmações se identifica?

1. Tenho um projeto / tarefa em mãos que não avança por razões burocráticas.

2. Estou à espera de uma autorização / revisão para avançar com um projeto / ideia.

3. Tenho uma média de 3 reuniões por dia.

4. Mais de 50% do meu tempo de trabalho é passado a responder a emails.

5. Passo mais tempo a resolver os problemas dos meus colaboradores, do que a concluir as minhas tarefas.

Se respondeu afirmativamente a 3 ou mais destas questões, então sabe perfeitamente o que é a estratégia CYA (pode não saber exatamente o que quer dizer, mas experiencia-a no seu dia a dia).

O contexto pandémico que vivemos, ajuda a perceber um pouco melhor o assunto. E antes de continuar a ler, ponha já a máscara porque, sim, trata-se de um vírus!

Mais concretamente do tipo "Cover-Your-Ass". É extremamente contagioso e tem um potencial mortal enorme quando se espalha no seio empresarial, aniquilando líderes e trabalhadores que se perdem em tarefas e projetos inacabados para sempre.

Atua nos indivíduos especialmente quando não se saber fazer algo; não se quer fazer algo ou não se quer interagir com outros. Estar com CYA significa, naturalmente, sacrificar alguém e "safar-se".

Aqui não há etiqueta respiratória que sirva de prevenção, nem distanciamento social que o valha. Pelo contrário, uma comunicação eficaz e próxima q.b. pode ser precisamente a cura deste vírus.

Anatomia de um infetado

Um portador de um vírus CYA é, regra geral, um trabalhador com pouca capacidade de iniciativa, reduzida proatividade, que tende a transferir as suas responsabilidades para os seus colegas ou superiores hierárquicos e que, por isto, é incapaz de terminar as suas tarefas ou projetos. Costumam falar bem: há os que falam e há os que fazem, por vezes os que falam, falam tão bem que até parece que fazem.

E quando o vírus CYA chega ao topo?

 

Todos sabemos que Donald Trump estar infetado por um vírus, não é o mesmo que um comum mortal estar infetado pelo mesmo. É como se, por obra da natureza, os efeitos fossem 10 vezes mais agressivos e o impacto da doença atingisse uma dimensão estratosférica. Todos querem saber o que se passa. Aquela ideia de que "se ele está, qualquer um pode mesmo ficar assim". E por falar em Trump observem a reação CYA por perder as eleições. A verdade é que, quando a infeção vem "de cima" é ainda mais contagiosa e isto no seio empresarial é óbvio. Chama-se cultura organizacional.

Os líderes com CYA assumem um comportamento defensivo, apresentam uma incapacidade geral para assumir erros evocando falhas de comunicação, fogem de conversar com a equipa refugiando-se no seu excel, acusam a equipa de falta de capacidade. São peritos em tornar a sua empresa num autêntico campo de futebol onde a sua função é distribuir bolas. Defendem-se no templo da ocupação, só saindo para reuniões inúteis onde reafirmam estar constantemente "debaixo de água" ou "a mil".

5 Estratégias dos líderes com CYA

1. Contratam consultores para validar decisões já tomadas ou assumir os erros de estratégias que não resultam por inércia interna.

2. Constroem bunkers. Têm sempre o seu refúgio, as suas salas de segurança, para onde fugir quando a coisa corre mal. Geralmente são salas virtuais como é a "Comissão executiva", a "Administração" ou o "Board".

3. Culpar a direção anterior em caso de crise. Há sempre um bode expiatório que vem à tona nos piores cenários a quem é fácil incutir a culpa do mau funcionamento atual da equipa ou organização.

4. Centralizar tudo neles em termos de decisão. Estes são denominados os chefes eucaliptos que secam tudo à sua volta e não dão visibilidade à equipa e normalmente têm escrito no seu epitáfio: "aqui jaz um gestor que nunca teve tempo."

5. Discutir o propósito de uma tarefa ou trabalho e o foco dele ser o processo. Isto acontece porque é mais difícil discutir conteúdo do que estrutura. Todos conseguem opinar sobre estrutura, mas poucos sobre o sumo do que lhe está inerente. É o chamado, em inglês, "Process for the sake of process".

Os efeitos óbvios de não produção e resolução de questões do dia a dia da empresa, custa muito tempo e dinheiro a qualquer organização e, especialmente quando vem de cima, potencia uma cultura de medo que é difícil de contornar.

Talvez seja precisamente por isso que, enquanto no nosso dicionário "responsabilidade" significa algo como "honrar compromissos sob pena de sofrer as suas consequências", no dicionário anglo-saxónico, significa apenas "honrar compromissos". Nesta segunda definição muito mais objetiva, não entra a dimensão das consequências. Não entra a cultura paralisante do medo.

Este tipo de liderança atravessa hoje um desafio acrescido que é o do contexto atual de teletrabalho imposto. Se o papel do líder com CYA for essencialmente controlar o tempo de trabalho dos seus subordinados, significa que este vai perder total ou parcialmente o controlo da sua principal (e, às vezes, única) tarefa.

Sequelas a longo prazo

 

Os números são assustadores, mas reais. Mais de 80% dos líderes não são bons na sua principal tarefa de gestão de pessoas e tarefas e muitos porque estão contaminados com CYA.

É raríssimo encontrar um bom líder, um que não microgere os problemas da equipa ou de cada colaborador, mas que os ajude a solucionar os mesmos e os motive a fazê-lo. Que pergunte diariamente "o que posso fazer para facilitar a tua vida?".

As sequelas deste vírus a longo prazo passam pela estagnação profissional. Pergunte a si mesmo quantos anos de experiência tem e perceba se tem efetivamente esses todos de aprendizagem efetiva ou 1 de experiência e outros 19 a fazer a mesma coisa?

Porque o prémio de justificarmos constantemente as nossas limitações é o de continuarmos com elas e o preço a pagar por isso é o de termos sempre uma história para contar que começa com "era uma vez um projeto que nasceu em terra de ninguém e em terra de ninguém ficou." Muita iniciativa e nenhuma acabativa.

Consultor e Professor de Liderança e Gestão de Talento na Porto Business School e no IPAM.

Autor dos livros "Disse-me um velho marinheiro" e "Tudo o que o velho marinheiro não me disse"

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