José M. Brandão de Brito 12 de Novembro de 2015 às 20:30

O resultado desinflacionista da política inflacionista do BCE

Primeiro vieram as reduções das taxas de juro, depois veio a cedência ilimitada de liquidez aos bancos e, finalmente, veio a compra de avultados montantes de títulos de dívida pública e privada.

O BCE fez tudo isto para criar inflação, mas esta, furtiva, por uma razão ou por outra, não aparece. Porém, a autoridade monetária não desiste nem esmorece. As taxas de juro a que o BCE remunera os excessos de liquidez que os bancos comerciais são obrigados a depositar no banco central já estão abaixo de zero e parece que mais negativas se tornarão a breve trecho. Na mesma linha, o BCE comprometeu-se a comprar cerca de 15% de toda a dívida pública titulada de médio e longo prazo dos países da área do euro (programa conhecido por QE), mas a generalidade dos analistas não tem dúvidas de que essa cifra aumentará nos próximos meses. Será que, assim, a inflação nos agraciará com a sua saudosa presença? Pode ser que sim, mas também pode ser que não, para desespero dos promotores de uma doutrina que começou a fazer escola no Japão há 15 anos e que pouco sucesso tem granjeado.

 

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Para perceber o que está em causa é necessário penetrar nos interstícios técnicos da política monetária do BCE. A aquisição de quantidades astronómicas de títulos de dívida provoca uma subida nos seus preços e a consequente queda das taxas de juro, estimulando a procura por crédito. Acontece que esse processo implica a injeção de liquidez no sistema financeiro, boa parte da qual vai parar aos bancos. Estes podem dar dois tipos de destino ao dinheiro que jorra pelas suas tesourarias adentro em resultado do QE: emprestá-lo aos agentes económicos ou parqueá-lo no BCE. É aqui que entra a ideia de colocar a taxa de juro da facilidade de depósito em valores negativos, na medida em que a liquidez que os bancos não emprestam transforma-se num custo, que será tanto mais gravoso quanto maior for a escala do QE. Dessa forma, estimula-se a oferta de crédito.

 

Em singrando, esta estratégia leva a um aumento dos empréstimos ao consumo e ao investimento, traduzindo-se numa procura acrescida por bens e serviços e, finalmente, em subidas dos preços. Mas não é isso que está a acontecer. E a explicação prende-se com o facto de a economia europeia estar atolada em dívida e, portanto, indisponível para acumular mais. Mas os problemas da política de QE não se esgotam na falta de eficácia. Existe ainda um efeito que a torna perversa. A diminuição das taxas de juro para níveis artificialmente reduzidos possibilita a sobrevivência (de outra forma impossível) das empresas mais endividadas. No curto prazo, isso é positivo porque preserva - temporariamente - o emprego e evita o aumento do incumprimento bancário. Mas é negativo para o alcance do desiderato primordial de aumento da inflação, uma vez que essas empresas continuarão a produzir e a colocar os seus produtos no mercado. A perversidade está no facto de o QE não estar a conseguir aumentar a procura por bens e serviços através do incremento do crédito, como pretendido, mas sim a provocar o aumento da oferta de produtos. Ora, a lei da procura e da oferta determina que nessas circunstâncias os preços caiam.

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A guerra sem quartel à falta de inflação, da forma como tem sido travada pelo BCE, corre o risco de gerar mais desinflação no futuro próximo. Isto, claro, se a explosão de liquidez prosseguida pelo BCE não determinar uma total perda de confiança na moeda, o que a ocorrer, desencadearia uma espiral inflacionista bem para lá dos desejos dos banqueiros centrais.

Chief economist do Millenniumbcp

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Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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