A questão da dívida
A FRASE...
PUB
"O montante de capital de um título de dívida perpétuo nunca tem de ser reembolsado, apenas são devidos pagamentos de juros anuais."
George Soros, Público, 16 de Agosto de 2020
PUB
A ANÁLISE...
PUB
Na divisão tradicional das polarizações políticas, o capital está para a direita como o trabalho está para a esquerda. É uma divisão falsa, porque não há capital sem trabalho (sem o contributo do trabalho o capital não se pode reproduzir e acumular, ou só o pode fazer pela via da especulação, que tem riscos e não é sustentável) como não há trabalho sem capital (se não houver investimento e criação de empresas, o trabalho não tem a possibilidade de criar valor e de ser remunerado). A dívida não é capital nem é trabalho, não é de direita nem de esquerda, é o que resulta da diferença entre receitas e despesas, mas também é o que dissolve o capital e não pode ser distribuído como rendimento salarial.
A formação de capital é uma questão de competitividade e de inovação ou de protecção política de rendas garantidas por contratos ou por proteccionismo. A formação do rendimento salarial é uma questão de produtividade e de reivindicação para alterar a relação entre a remuneração do capital e a remuneração do trabalho. A dívida gera a depressão económica e a estagnação dos rendimentos porque é necessário desviar recursos para pagar os encargos financeiros e amortizar os empréstimos, o que não promove nem o investimento nem o emprego, prejudica a direita do capital e a esquerda do trabalho: estas polarizações encontram a sua convergência quando têm de suportar as consequências da dívida.
PUB
Onde se acumula dívida é preciso instalar dispositivos que corrijam os desequilíbrios que estão na sua origem. O mais elementar é o dispositivo da austeridade: não há crescimento, nem do capital nem do trabalho, e também não crescem os recursos para amortizar a dívida, pelo que tem de se contrair ou cativar as despesas até se obterem saldos positivos em sucessivos exercícios para se anular a dívida. Mas há um outro dispositivo que oferece a oportunidade e o tempo de ajustamento de receitas e despesas sem impor a redução do crescimento e a estagnação dos rendimentos: numa zona de moeda comum, pode ser emitida dívida comum por um prazo muito longo, com garantia prestada por todos os Estados participantes, e essa garantia tem como colateral a subordinação voluntária a um sistema de políticas comuns. A dívida comum tem como contrapartida a aceitação voluntária do risco comum.
PUB
É a realidade efectiva das coisas que determina o que é o exercício da política como arte do possível. É a dívida, através do dispositivo instalado para a controlar, que faz acontecer a união de políticas na União Europeia. A união de políticas na União Europeia não é um projecto, é uma necessidade imposta pela dívida e tornada inevitável pela crise da peste da covid-19.
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
PUB
Mais Artigos do autor
Mais lidas
O Negócios recomenda