Destruir para criar. A fórmula do crescimento
Ao observar o gráfico histórico do PIB per capita mundial ao longo dos últimos dois milénios, impressiona verificar que, durante cerca de 1.800 anos, a economia global permaneceu praticamente estagnada, crescendo de forma linear e apenas acompanhando o aumento da população. No início do século XIX, porém, ocorreu uma viragem extraordinária: o PIB per capita disparou exponencialmente, inaugurando uma era de prosperidade sem precedentes e retirando milhões da pobreza. Esta transformação decisiva coincidiu com o advento da Revolução Industrial, um momento-chave na história da humanidade, só possível graças a uma combinação excecional de fatores que convergiram para desencadear um crescimento sustentado.
A história do papel ilustra bem o impacto das grandes transformações tecnológicas. A técnica chinesa de fabrico, criada no século II d.C., chegou à Península Ibérica no século XII e substituiu gradualmente o papiro e o pergaminho, mas o processo manteve-se artesanal, folha a folha, durante séculos, mesmo após a invenção da prensa. Só em 1803, com a máquina Fourdrinier, o fabrico tornou-se mecânico, permitindo produzir folhas contínuas com menor custo e qualidade constante. A partir daí, o papel diversificou-se e tornou-se uma infraestrutura essencial da modernidade. Moral da história: a difusão tecnológica pode ser lenta, até que a combinação certa de conhecimento, capital e instituições desencadeie um novo ciclo de crescimento.
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O historiador económico Joel Mokyr explica que o crescimento económico sustentado depende não apenas da invenção, mas também da difusão e manutenção de novas tecnologias, algo que a Inglaterra do início do século XIX conseguiu graças a uma classe intermédia de artesãos e engenheiros instruídos — o que Mokyr chama de “capital humano de elite”. Este grupo, apoiado por sistemas de aprendizagem, universidades de topo e sociedades científicas, transformou ideias em produtos práticos e lucrativos, criando um ambiente fértil para a inovação. Mokyr argumenta que, antes da Revolução Industrial, as tecnologias eram aplicadas sem compreensão profunda e que o progresso só se tornou duradouro quando as sociedades passaram a valorizar o conhecimento, a troca intelectual e a aceitação de novas ideias face à resistência das elites tradicionais.
Mas a história não basta: é preciso lógica e provas, sustentadas na, como dizia Galileu, linguagem do universo. Em 1992, Philippe Aghion e Peter Howitt criaram um modelo matemático para explicar o crescimento económico através da relação entre investigação e inovação. As novas tecnologias, fruto de investimentos em I&D, melhoram produtos existentes e tornam os anteriores obsoletos — um processo de “destruição criativa” que gera ganhos temporários para os inovadores, protegidos por patentes, e perdas para os que ficam para trás.
O modelo identifica um ponto de equilíbrio entre os incentivos à investigação e os seus custos. Aumentar a investigação num período pode reduzir a duração dos lucros futuros (porque acelera a chegada de novas inovações) e aumentar os salários pela maior procura de trabalho especializado, o que desmotiva a aposta imediata. O crescimento sustentado, segundo Aghion e Howitt, depende então da existência de três condições essenciais: concorrência suficiente para premiar quem inova, instituições imparciais que resistam à captura por interesses estabelecidos e um sistema de aprendizagem contínua que promova a difusão tecnológica. Na ausência destas condições, a destruição criativa transforma-se em bloqueio à inovação, com os incumbentes a protegerem os seus lucros por via de regulações ou redes de influência.
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Este princípio aplica-se também à Academia. Tal como na economia, a “destruição criativa” é essencial no ensino superior: as instituições devem renovar currículos, incentivar novas ideias e promover ligações ao tecido empresarial e científico. Estruturas de decisão demasiado concentradas em corpos séniores e incentivos que favorecem a estabilidade dificultam a adaptação e reduzem o impacto do ensino e da investigação. Quando os custos da mudança recaem sobre quem inova e os benefícios ficam com quem mantém o status quo, a transformação torna-se lenta e ineficaz. O resultado é previsível: currículos desatualizados, investigação pouco relevante, fraca ligação ao setor produtivo e menor capacidade de atrair talento internacional.
Da invenção do papel à IA, a lição repete-se: o crescimento sustentado emerge quando ideias novas encontram instituições que as deixam nascer, escalar e, quando for tempo, substituir o que já não serve. O Prémio Nobel da Economia deste ano distinguiu os economistas Mokyr, Aghion e Howitt, por demonstrarem que o crescimento económico persistente não é obra do acaso, mas o resultado de inovação contínua, capacidade de mudança e instituições que não bloqueiam a inovação. Eles lembram-nos que a estagnação é o estado natural da história e o crescimento, uma conquista institucional. Proteger o direito de renascer e organizar a despedida do velho é, hoje, a missão central de líderes nas empresas, no Estado e na Academia.
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