São tempos de muitas dúvidas e, principalmente, de poucas certezas
São tempos de muitas dúvidas e, principalmente, de poucas certezas. A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2021 apresentada durante esta semana e, sobretudo, o conjunto de análises e comentários que originou são sintoma disso mesmo. São constantes as dúvidas sobre a evolução da pandemia, do aparecimento a curto ou médio prazo da vacina e respetiva eficácia e, simultaneamente, sobre a profundidade do impacto económico e social. Pelo contrário, a única certeza que parece emergir é a de que, muito provavelmente, este não será o último Orçamento de 2021.
Seria sempre difícil elaborar este Orçamento, porém, em linha com a ideia de responsabilidade social do Estado, esperava-se um programa generoso em medidas sociais tendentes a aliviar pessoas e famílias em situação de pobreza ou fragilidade económica. E o Orçamento não desiludiu, disponibilizando medidas como o aumento das pensões, aumento do subsídio do desemprego, nova prestação social de apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores, subsídio extraordinário de risco no combate à pandemia, entre outras. Pressupõe-se além disso que todas estas medidas irão contribuir, embora na realidade de forma ténue, para aumentar o consumo interno e relançar a economia.
PUB
Contudo o que também se esperava era um pacote igualmente rico de medidas galvanizadoras da economia real, com base nas empresas. É verdade que algumas medidas foram consideradas como, entre outras, o lançamento de programas de formação profissional e requalificação de ativos e o apoio a projetos que estimulem o trabalho em rede e as dinâmicas de eficiência coletiva.
Mas, sabendo que a estrutura empresarial portuguesa assenta sobretudo em micro, pequenas e médias empresas, seria importante ter como primeira prioridade apoiar a resiliência económica das mesmas nos próximos anos, focando os esforços em medidas temporárias de reforço de benefícios fiscais ao investimento e à manutenção/criação de postos de trabalho. Um bom exemplo já implementado em inúmeros países como Áustria, Chipre, Bélgica, Bulgária, Alemanha, Grécia, Turquia, Reino Unido é a redução do IVA na restauração e bebidas para 6% durante um ano. Esta medida, de acordo com o estudo pedido à PwC pela AHRESP, poderia salvar até dez mil empresas e 46 mil postos de trabalho e ainda gerar “um impacto positivo entre 394 milhões de euros e 516 milhões” para as contas do Estado, tendo em conta IRS, TSU e subsídios de desemprego. E se esta parece ser a medida mais eficaz neste setor, outras medidas podem encontrar-se que respondam aos vários setores presentes na realidade económica. Não é fácil, nem simples, mas possível.
Pensando ainda de forma mais abrangente nestas medidas de incentivo às empresas, no sentido da sua sustentabilidade a curto prazo e da criação de emprego, seria muito importante não esquecer o apoio aos jovens profissionais, acompanhado por medidas de flexibilidade laboral. Ultrapassar o patamar da precariedade e atingir alguma estabilidade é dar futuro aos jovens, às novas famílias e à sociedade. É contribuir para uma transição geracional equilibrada e, como tal, um mundo mais humano com espaço para todos e em que todos tenham oportunidade de se realizarem integralmente.
PUB
Postos a pensar, outras medidas podem ser encontradas e, quem sabe, ainda incluídas nesta versão do Orçamento. Aliás, muitas organizações e associações empresariais têm contribuído com ideias e sugestões interessantes, efetivas e, na sua maioria, simples. Naturalmente, haveria que considerar a sua pertinência e impacto. Seria, no entanto, muito bom não perder esta excelente oportunidade de relançar a economia com ambição e sustentável. Tenhamos esperança.
Esperança é também a palavra que define um outro acontecimento que ocorreu neste mês de outubro e que gostava de recordar: a entrega dos Prémios Nobel 2020 e, em concreto, o Prémio Nobel da Química atribuído em conjunto a Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier, por sinal a primeira vez que é atribuído em simultâneo a duas mulheres.
O trabalho de Jennifer e Emmanuelle, conhecido como CRISPR/Cas9, coloca-nos face à capacidade real da edição genética. Trata-se de um salto extraordinário na medicina, um abrir de possibilidades fantásticas que apenas começamos a imaginar, como sejam o desenvolvimento de novas terapias para o cancro e a cura de algumas doenças hereditárias. Como recurso da medicina, deve ser naturalmente celebrado. Mas há sombras éticas que exigem prudência. Em 2018, o chinês He Jiankui disse ter criado os primeiros bebés geneticamente modificados. Nessa altura, as duas vencedoras protestaram indignadas e assustadas contra o uso indevido do procedimento médico. Jiankui explicou que o principal objetivo da intervenção era potenciar a capacidade de resistir a infeções pelo HIV. Mais uma vez, se colocava o eterno problema ético: o fim é bom e podemos, mas será que devemos?
PUB
A atribuição deste Prémio Nobel da Química é, neste sentido, um enorme símbolo de esperança, uma bela imagem do futuro que se abre e nos enche de espanto e entusiasmo, mas é também um apelar à responsabilidade que todos temos na criação desse mesmo futuro, em concreto, no sentido que queremos dar à humanidade.
Da certeza médica, boa e promissora às dúvidas com que nos podemos confrontar aquando da sua utilização, termino como comecei. São tempos de muitas dúvidas e, principalmente, de poucas certezas.
PUB
Mais Artigos do autor
Mais lidas
O Negócios recomenda