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Adriana Zani - Investigadora Center for Responsible Business & Leadership da CATÓLICA-LISBON
12:00

O propósito não falha por ser ambicioso, falha por não ser vivido

Quando a qualidade da relação entre líder e colaboradores varia demasiado, o impacto do discurso sobre o propósito evapora-se. Não há alinhamento possível quando uns têm acesso privilegiado à informação e outros não; quando uns se sentem reconhecidos e outros invisíveis.

Formular uma declaração de propósito é hoje sentido quase como obrigatório no mundo empresarial. Multiplicam-se frases inspiradoras nos relatórios, nas paredes dos escritórios e nas apresentações institucionais. Mas há uma verdade incómoda que poucos gestores admitem: escrever um propósito é difícil, mas fazer com que ele viva dentro da empresa é extraordinariamente difícil.

Um estudo publicado em março de 2025 na Long Range Planning, baseado em dados de mais de 57 mil colaboradores e 469 empresas, mostra por quê. Rodolphe Duran e Pauline Asmar, da HEC School of Management de Paris, demonstram que o propósito só cria impacto quando é traduzido em diálogo real entre líderes e equipas. Não é o "slogan" que conta, é a conversa diária.

O propósito mora nas equipas

A investigação revela algo que deveria ser óbvio, mas ainda não é: o propósito só funciona quando as pessoas entendem como o seu trabalho contribui para ele. E isso exige conversas. Exige que os líderes expliquem a direção da empresa, ouçam as equipas e construam, juntos, sentido. Quando isso acontece, o compromisso das equipas aumenta de forma clara.

Mas o contrário também é verdadeiro: quando o propósito não chega ao terreno, ele transforma-se em ruído. As pessoas deixam de acreditar. E começam a tratá-lo como uma moda corporativa daquelas que duram um ciclo de gestão e depois desaparecem.

Ou seja, o propósito não se implementa por decreto. Implementa-se através de uma liderança responsável.

A maior ameaça ao propósito é a incoerência

O estudo revela algo que muitos líderes preferem ignorar: se uma equipa sente que há diferenças de tratamento aos membros pelo líder, o propósito deixa de unir e passa a dividir.

Quando a qualidade da relação entre líder e colaboradores varia demasiado, o impacto do discurso sobre o propósito evapora-se. Não há alinhamento possível quando uns têm acesso privilegiado à informação e outros não; quando uns se sentem reconhecidos e outros invisíveis.

Em outras palavras, o propósito não falha por causa das equipas. Falha devido à liderança. E este é um ponto que liga propósito à liderança responsável: liderar é criar condições de justiça, coerência e confiança para que o propósito faça sentido no quotidiano.

Autonomia ajuda, mas não funciona no vazio

Outro "insight" importante é o de que dar autonomia fortalece o impacto do propósito, mas não é solução mágica. Só funciona quando já existe uma base mínima de confiança, comunicação e alinhamento. Equipas muito jovens ou com líderes muito distantes do ponto de vista geracional também sentem estes efeitos de forma desigual.

Autonomia sem propósito é abandono, por outro lado, propósito sem autonomia é controlo. E cabe à liderança responsável estabelecer o equilíbrio entre os dois.

Propósito é prova de maturidade da liderança

Há uma tendência crescente para tratar o propósito como ingrediente de prestígio corporativo. Mas o que este estudo mostra é que o propósito é, acima de tudo, uma prova de maturidade da liderança: traduzir o propósito em conversas honestas nas equipas, de forma consistente, é difícil, e é aí que se vê quem realmente lidera.

As empresas portuguesas que desejam usar o propósito como vantagem competitiva têm de investir mais em líderes capazes de o tornar real. Líderes que conversem, que alinhem, que tratem todos com justiça, que distribuam autonomia com responsabilidade.

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