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Nuno Ribeiro da Silva
20 de Agosto de 2004 às 13:59

Petróleo: o suspeito do costume (II)

Se as empresas conseguirem repercutir o custo adicional do factor energia no preço final praticado, justificar-se-ão aumentos nos transportes na ordem dos 5%.

Em Portugal consumimos 105 milhões de barris de petróleo e derivados em 2003, cerca de 14,3 milhões de toneladas, líquido das reexportações.

O custo médio para Portugal do barril em 2003 foi de 29 dólares.

A factura petrolífera líquida foi de 2,75 mil milhões de dólares em 2003.

Contudo, em 2003 a factura energética apenas aumentou 2%, face a 2002, já que o Euro se apreciou 20% face ao dólar.

No artigo de há 15 dias centrei-me nos «fundamentais» do mercado – na relação reservas, produção, oferta, procura e consumo – bem como alguns estudos e comentários recentes, nomeadamente da Agência Internacional de Energia, sobre o impacto de uma alta persistente dos preços do petróleo nas economias da OCDE.

Referia ainda como o «clima» político internacional e uma série de acontecimentos localizados estavam a contribuir para a volatilidade dos preços.

Trata-se hoje de alinhar alguns dados essenciais sobre os reflexos do actual momento do mercado na economia e no quadro energético de Portugal.

Em primeiro lugar há que reconhecer que, apesar da grande vulnerabilidade relativa da economia portuguesa perante o petróleo, registam-se alterações qualitativas importantes, se comparado à situação verificada nos dois choques petrolíferos da década de setenta.

No essencial, o petróleo deixou praticamente de ser relevante na produção de electricidade e o sector industrial reconverteu as suas necessidades de calor / vapor para o carvão (cimentos), gás natural (cerâmica) ou electricidade (siderurgia).

Assim, o petróleo ficou confinado ao sector dos transportes, enquanto «último reduto» do seu império e onde contribui com cerca de 95% da energia que «faz circular o sangue» de pessoas e mercadorias no tecido social e económico.

O problema está em que o sector dos transportes tem sido e continuará, sustentadamente, a ser aquele que mais cresceu nas últimas décadas em Portugal, fruto do aumento da posse e utilização (mobilidade) de veículos para transporte de pessoas e cargas.

Moral da história, o «vírus» que constitui a volatilidade do preço do petróleo, embora haja sido combatido com sucesso na generalidade do «corpo», retirou-se e alojou-se no sistema circulatório, permitindo-se espalhar os seus efeitos nocivos a todos os tecidos, logo que se regista qualquer crise de nervos na conjuntura geopolítica.

Algum esforço, nem sempre consequente, e certamente insuficiente, na promoção do uso racional da energia e do aproveitamento das energias renováveis, a par da introdução do novo vector energético do gás natural na matriz energética portuguesa, fez baixar o petróleo de uma presença superior a 85% da energia primária consumida, para os 60% actuais.

Apesar de tudo, o consumo de petróleo do país é hoje muito superior ao consumo da década de setenta?

Retomando os números com que abri este artigo, é possível quantificar alguns dos impactos, pelo menos no imediato e no curto prazo, nos principais agregados macroeconómicos do país.

Cada dólar de aumento do barril custa ao país mais 105 milhões de dólares. Se o custo médio para o barril foi de 29 dólares em 2003, significa o aumento da factura de importação em mais de mil milhões de dólares, ou seja 870 milhões de euros, cerca de 30% mais do que em 2003, se tomarmos o custo médio do barril para 2004 na ordem dos 40 dólares.

Por outro lado, não parece possível que haja, este ano, qualquer efeito de mitigação desse custo adicional, já que o euro não se deverá valorizar face ao dólar em 2004. Talvez aconteça o contrário, o que agravaria ainda mais a balança comercial e a degradação dos termos de troca.

O peso da importação de energia, em geral, na balança de mercadorias FOB, poderá aproximar-se dos 15%.

É sabido ainda que o gás natural e mesmo o carvão, ainda «respeitam» o petróleo como preço director. Logo, a alta do crude pressionará em alta aqueles outros combustíveis fósseis, que contribuem com cerca de 25% para a satisfação das necessidades do país em energia primária.

O peso da importação da energia no PIB pm chegara aos 4% brutos e a factura energética global, líquida será de quatro mil milhões de euros.

Dá para pensar?

Nas empresas de transportes rodoviários e aviação, o custo dos derivados do petróleo representa tipicamente 15% a 18% do total de custos.

Se as empresas conseguirem repercutir o custo adicional do factor energia no preço final praticado, justificar-se-ão aumentos nos transportes na ordem dos 5%.

Contudo, é sabido que os transportadores «aproveitam» a «expectativa inflacionista», para «arrastarem» a actualização de outros custos às costas do petróleo, o mesmo acontecendo em toda a cadeia, sobretudo de distribuição.

Cria-se assim a pressão inflacionista que a Agência Internacional de Energia, estima para os países da OCDE, ser de 0,5 ponto percentual em cada 10 dólares de aumento do barril.

O mesmo fenómeno ocorre com as distribuidoras de derivados do petróleo, embora existam muitas variáveis a ter em conta na forma como se repercutem os preços da matérias prima, nomeadamente no gasóleo e nas gasolinas, já que as cargas fiscais que incidem sobre os diferentes derivados e a dinâmica da procura destes produtos é muito variada.

Contudo, tenhamos por número de referência que o aumento de 11 dólares no barril (29-40), poderá justificar um aumento no gasóleo de 12% e nas gasolinas, na ordem dos 10%.

O problema maior, independentemente dos números / referência que avanço - sendo que alguns deles estão pendentes do comportamento de muitas variáveis que não controlamos - está na criação de um clima de insegurança, também no ambiente económico, uma expectativa inflacionista, a provável degradação das margens das empresas que não conseguem defender as suas margens, penalizando o investimento e o emprego.

Uma coisa é certa, estou certo que o impacto da alta das cotações, de forma sustentada na ordem dos 10 dólares por barril, terá um efeito negativo não negligenciável na economia mundial, europeia e nacional, relembrando que é imprescindível actuar decididamente no controle desta variável volátil e rebelde, que é o petróleo.

Reduzir drasticamente o seu papel, nomeadamente nos transportes, é uma aposta na estabilidade política, social e económica que se impõe.

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