A morte silenciosa da austeridade
Há vários anos que os responsáveis políticos deixaram de discutir seriamente os méritos da austeridade orçamental. Os debates sobre as potenciais vantagens de usar estímulos para impulsionar o crescimento económico a curto prazo ou sobre a ameaça dos níveis elevados de dívida pública que inibem o crescimento de médio prazo foram silenciados.
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Não há dúvida de que lado ganhou, e porquê. A austeridade está morta. E enquanto os políticos convencionais continuarem a assumir uma posição defensiva perante os populistas, aceitarão, provavelmente, uma maior flexibilização das políticas orçamentais - ou pelo menos evitarão ajustamentos - para obterem ganhos económicos de curto prazo. Ao mesmo tempo, não é provável que prestem atenção a advertências sobre as consequências a médio prazo de níveis de dívida mais elevados, uma vez que a postura em relação às taxas de juro continua a ser de "mais baixas por mais tempo".
Uma forma de confirmar que emergiu um consenso internacional em relação à política orçamental é rever as declarações conjuntas dos responsáveis políticos. A última vez que o G7 publicou um comunicado, observando a importância da consolidação orçamental foi na Cimeira em Lough Erne, realizada em 2013, quando ainda era o G8.
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Desde então, as declarações conjuntas contiveram propostas amorfas para implementar "estratégias orçamentais de forma flexível para apoiar o crescimento" e garantir que os rácios dívida/PIB são sustentáveis. Colocar a dívida num caminho sustentável significa, presumivelmente, não a aumentar. Mas, na ausência de um prazo definido, os níveis de dívida podem sofrer longos desvios, cuja sustentabilidade coloca dúvidas.
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As objecções à austeridade foram compreensíveis no período que se seguiu à crise financeira de 2008. A política orçamental estava a ser apertada quando o crescimento estava a ficar abaixo de 2% (depois de recuperar em 2010), e grandes hiatos do produto sugeriam que o emprego geral demoraria a recuperar.
No final de 2012, no pico do debate da austeridade pós-crise, as economias avançadas estavam no meio de um aperto de vários anos, equivalente a mais de um ponto percentual do PIB anualmente, de acordo com os dados de saldo primário corrigidos do efeito de ciclicidade do Fundo Monetário Internacional.
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Mas, tal como a política orçamental foi apertada quando as condições económicas cíclicas pareciam pedir uma flexibilização, está agora a ser flexibilizada quando as condições parecem pedir um aperto. O hiato do produto nas economias avançadas quase desapareceu, a inflação está a aumentar e o crescimento económico mundial deverá ser o mais forte desde 2010.
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Em 2013, o Japão foi a única economia avançada a flexibilizar a política orçamental. Mas este ano, o Reino Unido parece ser o único que se prepara para apertar a sua política - e isso pressupõe que as rupturas políticas recentes não alteraram a sua orientação orçamental, que se reflectirá na Declaração de Outono do Ministro das Finanças.
A maioria dos observadores concordará que os níveis de dívida pública são desconfortavelmente elevados em muitas economias avançadas, e que por isso seria prudente que os responsáveis políticos discutissem estratégias para a diminuir. Além disso, há várias opções para o fazer, algumas das quais são mais fáceis ou mais eficazes do que outras.
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No final, a desalavancagem dos governos tem a ver com a relação entre o crescimento económico e as taxas de juro. Quanto maior for a taxa de crescimento em relação às taxas de juro, menor será o nível de consolidação orçamental necessário para estabilizar ou reduzir a dívida em relação ao PIB.
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À medida que o crescimento económico continua e as taxas de juro permanecem baixas, pelo menos fora dos EUA, as autoridades orçamentais terão novas oportunidades para reduzir a dívida e criar espaço orçamental para medidas de estímulo quando o próximo declínio cíclico inevitavelmente chegar. Mas os responsáveis políticos não estão a fazer isso, o que sugere que priorizaram considerações políticas em vez da prudência orçamental
Depois das recentes eleições na Holanda e França, um crescente coro de vozes proclama agora que o "pico do populismo" passou. Mas pode-se argumentar com a mesma facilidade que os ideais populistas estão a ser absorvidos nas agendas políticas e económicas dominantes. Como resultado, os políticos, particularmente na Europa, não têm escolha senão favorecer políticas de crescimento inclusivas e analisar o impacto potencial que uma determinada política poderia ter sobre a distribuição de rendimentos.
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Este ambiente político não é propício à consolidação orçamental. Qualquer aumento de impostos ou redução da despesa terá de ser excepcionalmente bem concebido – o que poderá ser impossível - para que os líderes evitem uma reviravolta populista. A consolidação orçamental prejudicará sempre mais umas pessoas do que outras, e decidir quem são essas pessoas nunca é um exercício agradável.
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Até agora, essas decisões estão a ser atrasadas por motivos políticos. Mas as implicações económicas da dívida pública elevada não podem ser ignoradas para sempre. A política monetária já está a começar a mudar nos EUA, e pode estar perto de mudar globalmente. De uma forma ou de outra, as autoridades orçamentais terão de enfrentar soluções de compromisso desafiantes nos próximos anos.
James McCormack é director dos ratings soberanos da Fitch Ratings. Analisou questões relacionadas com o crédito soberano durante 20 anos na Fitch, no Banco do Canadá e no Goldman Sachs em Londres, Ottawa e Hong Kong.
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Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.orgTradução: Rita Faria
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