Jim O'Neill 22 de Fevereiro de 2017 às 15:44

A resiliência surpreendente da economia mundial

Tem sido interessante observar o crescimento acelerado face a choques como o referendo do Brexit no Reino Unido e a eleição de Trump. E, ainda assim, não é claro o que vai acontecer.

Desenvolvimentos políticos desconcertantes nos Estados Unidos e no Reino Unido podem levar à conclusão que a economia mundial, que enfrenta já dificuldades, vai enfrentar ainda mais desafios a curto prazo. Mas à medida que 2017 avança, as provas cíclicas sugerem o contrário.

 

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Desde os meus dias como economista chefe do Goldman Sachs que aceitei manter um olho em seis indicadores mundiais que, em conjunto, dão um retrato fiável daquilo que a economia mundial vai parecer nos próximos seis meses. Agora, os seis indicadores mostram mais promessas do que têm vindo a mostrar há algum tempo e apenas um dos indicadores registou uma queda ligeira depois de uma subida recente.

 

O primeiro indicador são os pedidos semanais de subsídio de desemprego nos Estados Unidos, a partir dos quais se pode aferir a força da economia norte-americana. Os economistas estão correctamente treinados para tratar o desemprego como um indicador desfasado mas estes dados podem ser úteis na previsão do futuro a curto prazo. Os pedidos de subsídio de desemprego nos Estados Unidos estão sempre actualizados porque são produzidos semanalmente e as provas estatísticas sugerem que são um indicador importante no que diz respeito aos preços das acções nos EUA. Na semana passada, os pedidos de subsídio continuaram relativamente baixos, como estão há algum tempo, o que é um bom presságio para os mercados bolsistas norte-americanos.

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Da mesma maneira, o Institute for Supply Management Manufacturing Index (ISM) dá uma boa previsão para os três a seis meses seguintes da economia norte-americana, mesmo que a actividade industrial abranja uma percentagem relativamente pequena do PIB. Tal como os últimos pedidos de subsídio de desemprego, os números do ISM dão actualmente motivos para optimismo.

 

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Um terceiro indicador é uma sub-componente do inquérito do ISM: as novas encomendas à indústria e os inventários. Actualmente, as novas encomendas estão a crescer e os inventários a baixar, o que sugere que as empresas vão ter, nos próximos meses, de produzir mais para satisfazer essas encomendas.

 

Olhando para além dos Estados Unidos, o quarto indicador é o rácio dos gastos no retalho na China em relação à produção industrial (ajustada à inflação). Estes números dão-nos uma perspectiva tanto sobre as tendências cíclicas como sobre o reequilíbrio estrutural da China, que está a afastar-se das exportações e a voltar-se para o consumo doméstico. Isto vai ser um dos mais importantes indicadores tanto para a China como para o resto da economia mundial nos próximos anos.

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O rácio das vendas a retalho em relação à produção industrial na China, embora errático, tem vindo a subir lentamente desde 2008 e, aparentemente, ter-se-á registado outra subida no consumo recentemente. É por isso que estou menos preocupado do que outros especialistas em relação aos frequentemente citados riscos que a economia chinesa enfrenta. Os gastos dos consumidores chineses continuam fortes apesar de um abrandamento na produção industrial, no investimento e dos esforços do Governo em reduzir os gastos com bens de luxo.

 

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Alguns podem dizer que os dados chineses não são confiáveis. Mas não vejo porque é que os dados de um lado do rácio podem ser mais ou menos confiáveis do que os dados do outro lado. Porque é que as autoridades chineses alteram os dados do consumo enquanto permitem que números da produção industrial registem uma descida. De qualquer forma, temos de trabalhar com o que temos.

 

Um quinto indicador são os dados comerciais da Coreia do Sul, que são divulgados no primeiro dia de cada mês – mais rápido do que qualquer outro país. A Coreia do Sul tem uma economia aberta e parceiros comerciais por todo o mundo, incluindo os EUA, China, Japão e União Europeia. Assim, um país pode extrapolar os seus dados do comércio para que se possam tirar conclusões sobre o estado do comércio mundial.

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Depois da tendência de descida nos últimos anos, desde Novembro que o comércio sul-coreano tem dado sinais de recuperação, em especial em termos do crescimento das exportações. E em Janeiro recuperou de forma significativa. Para ser claro, este resultado contradiz todos os elogios sobre a globalização que se ouvem por estes dias e a administração Trump, decididamente protecionista, pode fazer com que o comércio mundial entre num retrocesso prolongado. Mas os dados recentes da Coreia do Sul sugerem que a globalização continua a ter ainda alguma vida e que 2017 teve um início decente.

 

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De facto, e a menos que o pior cenário com Trump ocorra, é possível que o abrandamento no comércio internacional nos últimos anos se transforme num fenómeno temporário. Pode ter sido uma ocorrência singular que reflectiu vários factores, incluindo a crise do euro, o contínuo enfraquecimento em muitos países da Europa, a queda acentuada dos preços das matérias-primas, abrandamentos dramáticos no Brasil, Rússia e outras economias emergentes e uma regulação mais apertada para bancos internacionais, o que pode ter dificultado as finanças comerciais.

 

O último indicador principal é o índice mensal do clima empresarial da Alemanha, divulgado pelo Instituto Ifo, que contém dados cíclicos úteis para a Europa no geral, dada a centralidade da Alemanha na economia do continente. O inquérito do Ifo divulgou resultados positivos nos últimos meses, embora os dados tenham sido mais promissores em Dezembro do que em Janeiro.

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Olhando para eles em conjunto, os seis indicadores sugerem-me que a economia mundial pode estar agora a crescer a uma taxa superior a 4%. Este é o ritmo de crescimento mais rápido em vários anos – embora a taxa média de crescimento na última década tenha sido de 3,3% e tenha ficado ligeiramente abaixo do registado na década anterior – e próximo do ritmo das duas décadas anteriores. Ao mesmo tempo, os seis indicadores não podem dizer-nos nada do que vai acontecer depois dos próximos meses. É uma questão em aberto se o crescimento da economia mundial vai continuar forte, se vai ainda ficar mais forte ou se vai começar a enfraquecer.

 

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Tem sido interessante observar o crescimento acelerado face a choques como o referendo do Brexit no Reino Unido e a eleição de Trump. E, ainda assim, não é claro o que vai acontecer. Alguns poderão dizer que a tendência é o resultado das decisões políticas nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas muitos mais provavelmente dirão que está a acontecer apesar dessas decisões. Infelizmente, não há indicadores que oferecem uma resposta a essa questão – só o tempo o dirá.

 

Jim O’Neill,  ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management, é professor honorário de Economia na Universidade de Manchester e presidente da Review of Antimicrobial Resistance do governo britânico.

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Copyright: Project Syndicate, 2017.

www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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