Brahma Chellaney 22 de Maio de 2014 às 15:29

Soam os alarmes na Ásia

A deterioração da situação na Ucrânia e as crescentes tensões entre a Rússia e os Estados Unidos ameaçam enterrar a viagem do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, à Ásia – o mais vibrante (e, possivelmente, o mais inflamável) continente do mundo. A próxima viagem de Obama ao Japão, Coreia do Sul, Malásia e Filipinas de pouco servirá para resgatar ou colocar sobre uma base sólida a sua política externa para a região.

Na verdade, a invasão da Ucrânia, pela Rússia, é apenas o mais recente motivo pelo qual essa viragem - que foi rebaptizada como um "reequilíbrio" - não ganhou tracção. Uma série de outros factores - incluindo a preocupação dos Estados Unidos com o mundo muçulmano, a relutância de Obama em desafiar uma China cada vez mais assertiva, a redução dos gastos dos Estados Unidos com defesa e a quebra de liderança do país no cenário mundial - já estavam a travá-la.

 

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A realidade é que a crescente ansiedade entre os países asiáticos em relação à política externa cada vez mais muscular da China constitui, para os Estados Unidos, uma oportunidade importante para reconquistar o seu papel central na região, através do reforço de velhas alianças e construção de novas parcerias. Mas os Estados Unidos desperdiçaram, em grande medida, a sua oportunidade, permitindo que a China continue a ampliar as suas reivindicações territoriais.

 

Na verdade, ao longo dos últimos dois anos, aliados e parceiros asiáticos da América receberam três alertas dissonantes com a mesma mensagem: os Estados Unidos não podem ser chamados a gerir a ascensão da China de forma eficaz.

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O primeiro alarme chegou na forma do silêncio de Obama, quando a China se apoderou de Scarborough Shoal, que disputava com as Filipinas, em Julho de 2012. Esta acção - que se constituiu como um modelo para a China para anexar outros territórios em disputa - ocorreu apesar de um acordo mediado pelos Estados Unidos para uma retirada mútua de navios chineses e filipinos da área. A aparente indiferença de Obama em relação ao compromisso que os Estados Unidos têm com as Filipinas, consagrado no tratado de defesa mútua de 1951 (reafirmado em 2011), incentivou a China a ocupar outro território, o Second Thomas Shoal, que também é reivindicada pelas Filipinas.

 

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O segundo sinal de alarme para os aliados asiáticos dos Estados Unidos soou quando a China estabeleceu, de forma unilateral, uma zona de identificação de defesa aérea que abrange territórios que o país reivindica (mas não controla) no Mar da China Oriental - um precedente perigoso nas relações internacionais. Em seguida, a China exigiu que todas as aeronaves que transitam na zona – dirigindo-se para o espaço aéreo chinês ou não – apresentassem previamente os seus planos de voo.

 

Em vez de demonstrar o seu desagrado adiando a viagem do vice-presidente Joe Biden a Pequim, o governo dos Estados Unidos aconselhou as companhias aéreas comerciais a respeitarem a autodeclarado zona de identificação de defesa aérea da China. O Japão, pelo contrário, disse às companhias aéreas para desconsiderarem a exigência da China – um sinal da crescente desconexão das relações entre Washington e Tóquio.

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O terceiro alarme chega da Ucrânia. Perante a anexação ilegal da Ucrânia por parte da Rússia, a resposta dos Estados Unidos foi distanciar-se do Memorando de Budapeste, o acordo firmado em 1994 pelo presidente Bill Clinton, no qual os Estados Unidos se comprometeram a proteger a integridade territorial da Ucrânia em troca da entrega do arsenal nuclear ucraniano.

 

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Os dois primeiros alertas evidenciaram a falta de vontade do governo Obama de fazer qualquer coisa que possa atrapalhar a sua estreita cooperação com a China, um país que é agora central para os interesses dos Estados Unidos. O terceiro é ainda mais sinistro: a menos que os seus interesses vitais estejam em jogo, os Estados Unidos pouco farão para defender a integridade territorial de outro país - mesmo tratando-se de um país que se comprometeram a proteger.

 

O mundo está a testemunhar o triunfo da força bruta no século XXI. Obama foi rápido a descartar qualquer resposta militar dos Estados Unidos perante a anexação da Crimeia pela Rússia. Da mesma forma, à medida que a China tem intensificado os seus esforços para inverter o status quo regional, os Estados Unidos têm vacilado, pouco fazendo para tranquilizar os seus aliados asiáticos.

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Pelo contrário, os Estados Unidos têm mantido uma postura neutra, com esperança de evitar confrontos militares relacionados com reivindicações territoriais. Para tal, os Estados Unidos têm apelado à contenção, não só da China, mas também dos seus próprios aliados.

 

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Mas a contenção dos Estados Unidos - em resposta à invasão russa da Crimeia ou à campanha militar encoberta da China - não trouxe benefícios aos seus aliados. Na verdade, os seus esforços para evitar o confronto poderão provocar, inadvertidamente, uma mudança no jogo – uma evolução geopolítica - potencialmente desestabilizadora.

 

Mais importante ainda, a política de sanções dos Estados Unidos em relação à Rússia irá, provavelmente, forçar o Kremlin a iniciar a sua própria viragem em direcção à Ásia - particularmente em direcção à China, com dinheiro na mão e faminta de energia. Ao mesmo tempo, um confronto com a Rússia vai obrigar os Estados Unidos a cortejarem a China de forma mais activa. Num novo cenário de Guerra Fria, a China seria, portanto, a grande vencedora, ganhando um amplo espaço diplomático para perseguir as suas ambições territoriais.

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Enquanto os Estados Unidos vão danda espaço à China, países como o Japão, Índia, Filipinas e Vietname estão a ser forçados a aceitar que terão de enfrentar as incursões militares chinesas por conta própria. É por isso que estão a intensificar os esforços para construir forças militares credíveis.

 

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Esta tendência pode levar ao ressurgimento de potências asiáticas militarmente independentes que permanecem como aliados estratégicos dos Estados Unidos. Neste sentido, estariam a seguir os passos de dois dos aliados mais próximos dos norte-americanos – o Reino Unido e a França - que desenvolveram capacidades de dissuasão próprias??, em vez de confiar aos Estados Unidos a sua segurança. Esta seria uma grande mudança no jogo para a Ásia, para os Estados Unidos e para todo o mundo.

 

Brahma Chellaney é professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa Política de Nova Deli.

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Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014

www.project-syndicate.org

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Tradução: Rita Faria 

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