Harold James 08 de Julho de 2013 às 15:46

A diferença latina

É cada vez mais popular pensar na Europa em termos binários. O presidente francês, François Hollande é fascinado com a ideia de construir um novo bloco latino, em que a Espanha e a Itália juntar-se-iam a França na luta contra a austeridade orçamental. Nesta visão, a superioridade latina consiste numa visão mais ampla da capacidade dos Estados garantirem receitas e criarem riqueza, e menos na obsessão "protestante" com o trabalho do indivíduo.

A proposta não é totalmente nova. Como o filósofo italiano Giorgio Agamben enfatizou recentemente, a ideia apareceu no início da era pós-guerra. Em Agosto de 1945, um intelectual francês, Alexandre Kojève, apresentou ao general Charles de Gaulle um esboço de uma nova política externa, baseado numa "terceira via" latina, que se situaria entre o capitalismo anglo-americano e o marxismo eslavo-soviético.

 

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Mas há variantes ainda mais antigas da visão francesa da Europa. Em meados do século XIX, o imperador francês Napoleão III criou uma União Monetária Latina, que incluiu a Bélgica, Itália e Suíça. Napoleão viu o esquema como uma base potencial para a criação de uma moeda única mundial.

 

O economista britânico Walter Bagehot respondeu, na altura, que provavelmente haveria duas moedas concorrentes no mundo, que ele chamou de Latina e Teutónica. Por Teutónica, Bagehot parecia designar o mundo protestante: os Estados Unidos, que recuperavam da Guerra Civil, a Alemanha e a Grã-Bretanha. Não tinha dúvida nenhuma sobre qual das visões venceria: "Anualmente, um país após o outro, iria cair na união que mais se lhe adequasse; e olhando para a actividade comercial das raças Teutónicas, e o torpor comparativo das raças latinas, sem dúvida, o dinheiro Teutónica seria o preferido. "

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A tendência moderna de considerar as diferenças económicas em termos de religião foi estimulada por reflexões de Max Weber sobre a ética protestante do trabalho. Mas essa interpretação é claramente insatisfatória, e não pode abarcar o dinamismo do mundo profundamente católico da Itália renascentista e Flandres.

 

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A melhor maneira de entender as diferenças económicas é vê-las como um reflexo de arranjos institucionais e constitucionais diferentes. Na Europa, essa diferença decorre de duas revoluções, uma pacífica e de reforço da riqueza (1688, na Inglaterra), e outra violenta e destrutiva (1789, em França).

 

No final do século XVII, na sequência da Revolução Gloriosa na Grã-Bretanha, quando o país se revoltou contra a perdulária e autocrática dinastia Stuart, o governo britânico que foi formado depois de William e Mary assumirem o trono, adoptou uma nova abordagem à dívida. A votação de orçamentos no Parlamento - uma instituição representativa - garantiu que o povo, como um todo, era responsável pelas obrigações contraídas pelo seu governo. O povo teria, assim, um poderoso incentivo para impor controlo sobre os gastos, de forma a garantir que as suas reivindicações podiam ser atendidas.

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Esta abordagem constitucional limita as possibilidades de gastos desnecessários na vida da corte de luxo (assim como na aventura militar), que havia sido a marca do início da monarquia autocrática da era moderna. O resultado foi uma redução drástica nos custos de financiamento do Estado britânico e o surgimento de um mercado de capitais com bom funcionamento, o que provocou uma descida dos custos de financiamento dos privados. O governo representativo tornou-se parte do modelo clássico de boa gestão da dívida.

 

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O modelo alternativo ao constitucionalismo britânico foi o regime de França. A falência oficial, uma ocorrência regular, exigiu o prolongamento das maturidades da dívida do Estado e a redução do pagamento de juros. Mas esta solução elevou o custo de novos empréstimos, e a França começou a considerar o modelo britânico. O problema é que a imitação foi imperfeita.

 

Após a conclusão da Guerra da Independência Americana, em vez de retornar ao antigo modelo de ‘default’, que tinha sido aplicado em 1770, a elite francesa fez tudo o que podia para evitar esse resultado. Temendo que o sistema fosse frágil, o governo abriu os cofres em 1787, resgatando os investidores privados que haviam perdido num esquema especulativo.

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Mas havia um grande problema: o sistema tributário existente tinha atingido os seus limites, e a receita já não podia crescer sem se pôr fim aos privilégios consagrados pelo tempo e às imunidades. No final, o único caminho viável foi o confisco em massa - a criação de “bens nacionais” como garantia para a emissão de dívida pública. Mas essa medida, em vez de restaurar a calma financeira, levou a uma escalada de expectativas sobre o que o Estado pode e deve fazer, e exacerbou as tensões sociais.

 

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A adesão ao princípio do ‘não-default’ produziu a Revolução Francesa; sendo que a lição é que os sistemas políticos entrarão em colapso se assumem muita dívida e tentam pagar a qualquer custo. A situação era a inversa da Grã-Bretanha. Em França, não havia mercado que funcionasse adequadamente.

 

A experiência francesa implicou um preço elevado a longo prazo: a sociedade francesa era mais pobre do que a da Grã-Bretanha no século após a Revolução. Mas a Revolução Francesa também produziu um mito poderoso e atraente de transformação social. Longe de desacreditar a abordagem errada para a gestão da dívida, a "nação", que sucedeu a monarquia absolutista como a base da autoridade política, permaneceu ligada a soluções estatizantes.

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Harold James, professor de História e Assuntos Internacionais na Universidade de Princeton e professor de História no Instituto Universitário Europeu, em Florença, é o autor de "Making the European Monetary Union”.

 

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© Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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