Representantes sem representados
"Há nos confins da Ibéria um povo que não se governa nem se deixa governar", terá dito um general romano (quiçá o próprio Júlio César) a propósito dos lusitanos. Passados dois mil anos, a frase parece ter pouca adesão à realidade. Não só os portugueses se governam há mais de 800 anos como, com a excepção de alguns relevantes sobressaltos, se têm deixado governar sem grande nível de exigência.
O problema que o país tem hoje é mais de representação do poder. Os portugueses não se representam nem se deixam representar.
PUB
Na semana passada, foi divulgado o Livro Verde das Relações Laborais que traz dados mais recentes sobre a taxa de filiação nas estruturas sindicais e patronais. E o retrato é desolador. Apenas 8,3% dos trabalhadores do sector privado é sindicalizado, o que compara com 10,6% em 2010. Em 1980, segundo um estudo de Blanchfl Ower e Bryson, a taxa de sindicalização era de 52%. Do lado das confederações patronais, os números também assustam: apenas 17,1% das empresas se dizem representadas associação patronal.
Perante a crueza dos números, sobra a pergunta: quem se sente, de facto, representado nas reuniões de concertação social, onde o Governo se reúne com os representantes das empresas e dos trabalhadores e onde são tomadas decisões tão relevantes?
Formalmente, estas organizações têm toda a legitimidade, mas, na realidade a baixíssima filiação enfraquece a sua representatividade e, a fortiori, o seu poder. Por outro lado, a fraca adesão acaba por conduzir também a uma progressiva degradação de quadros que, aliás, se reflecte na reduzida rotatividade dos líderes das organizações.
PUB
Mas o problema da representação do poder é muito mais vasto. Veja-se os índices de participação nas eleições legislativas. Em 2015, votaram apenas 56% dos eleitores, o que significa que quase metade dos portugueses com mais de 18 anos abdica do seu direito de escolher quem os governa. Em 1980, 84% dos portugueses fazia questão de escolher os seus representantes no Parlamento.
Os mais cínicos dirão: vota quem quer, filia-se quem gosta, os outros não se queixem. O problema é mais complicado e vai para lá da questão formal de representatividade. Quem não vota e quem não se filia age por uma espiral de desencanto: não se interessa porque não se informa e não se informa porque não se interessa. Não vota nem se filia porque não está interessado nem informado. E quantos mais são os desinteressados e desinformados, menor é o nível de exigência e capacidade de escrutínio sobre os representantes. No final, perdemos todos, os que votam, os que não votam e os eleitos, mas perdem sobretudo os mais fracos, mais velhos e mais novos, enfim, os que precisam mais da sociedade no seu todo.
Saber mais sobre...
Saber mais representantes representados taxa de sindicalização eleições concertação social parlamentoMais Artigos do autor
Mais lidas
O Negócios recomenda