Como defender o capital natural sem ameaçar a competitividade? Foi esta a pergunta de partida do primeiro painel da Grande Conferência da Sustentabilidade do Jornal de Negócios, que juntou esta manhã, na Nova SBE, representantes da Comissão Europeia e de três empresas portuguesas com práticas sustentáveis bem vincadas. A resposta não é simples, mas os exemplos revelam um caminho possível que alia ambição ecológica, compromisso social e inovação.
Humberto Delgado Rosa, diretor para o Capital Natural da Direção-Geral do Ambiente da Comissão Europeia, deixou claro que, apesar das hesitações de países como os Estados Unidos, a Europa não está a recuar. "O pacto ecológico continua", afirmou. "Temos serviços de ecossistema que só a biosfera pode dar. A competitividade extrativista está acabada", insistiu. A seu ver, a simplificação das regras da agenda verde só fará sentido se não comprometer a ambição climática. "Se for atingida, de facto, uma simplificação, teremos mais agentes económicos capazes de a cumprir", reiterou.
Esta visão é partilhada pelas empresas que participaram no painel, que assumem a sustentabilidade como oportunidade e não como custo. "Isso começa com o fundador, com o meu avô", contou Rita Nabeiro, administradora do Grupo Nabeiro, referindo-se ao compromisso de responsabilidade social que a empresa tem desde os seus primórdios. "Hoje os desafios são maiores. O nosso produto 'core', o café, tem origem agrícola e às vezes esquecemo-nos de que aquilo que consumimos vem da terra. Trabalhar de forma diferente a agricultura é urgente", defendeu.
Rita Nabeiro defende que a sustentabilidade implica mudança estrutural e investimento com retorno a longo prazo. "Há uns anos não tínhamos tanto esta consciência. Estamos a ver esses impactos a acontecer e não podemos fazer as coisas da mesma forma. Temos de ir às práticas mais modernas", disse. Deu o exemplo da Adega Mayor, que está a investir em tecnologia para medir a pegada hídrica e aumentar a resiliência. "Temos de regenerar os solos para ter plantas mais resilientes. Mas há limites. O nosso compromisso tem de ser de longo prazo", assegurou.
Também a indústria florestal tem dado passos firmes neste caminho. Nuno Pinto, responsável pela sustentabilidade na Unimadeiras, defende que a floresta deve ser encarada como "uma oportunidade de crescimento" e não como um passivo ecológico. "Gerimos milhares de hectares, 33 mil dos quais são certificados, e isso gera valor. Temos de defender as florestas de produção e de conservação. Olhamos para as de conservação como fundamentais para a sustentabilidade", assumiu.
O empresário mostra-se otimista quanto ao futuro da sustentabilidade, apesar de reconhecer o desafio do desvio de fundos para áreas como a defesa. "Será difícil voltar atrás neste campo. Quando olhamos para o território como uma oportunidade, investimos mais", garantiu. E deixa uma provocação. "Este setor tem de se tornar um bocadinho mais sexy. Trabalhar na floresta hoje é quase como estar num sofá com equipamento avançado", afiançou.
No setor agroalimentar, Paula Amaral, da Bel Portugal, partilhou o percurso da empresa, que há mais de 20 anos incorpora práticas sustentáveis. "Sempre olhámos para os nossos parceiros e para a agricultura como uma extensão da família Bel", apontou. Um dos exemplos mais relevantes é o programa Vacas Felizes, criado numa altura em que a sustentabilidade não era um tema sexy, para responder ao fim das quotas leiteiras e garantir a diferenciação do leite dos Açores. "Os Açores são o único local do mundo, a par de poucas exceções, em que é possível fazer pastagem 365 dias por ano", enquadrou.
A responsável admite que os resultados não são imediatos. "Não há resultados de curto prazo, é preciso ser resiliente", afirmou. A empresa iniciou agora um novo programa de sustentabilidade com os produtores da marca Limiano e acredita que a agricultura regenerativa — "a agricultura do tempo das nossas avós, mas com técnicas de hoje" — será a chave para o futuro. "Regenerando os solos, acaba por ter uma vantagem económica", disse.
Humberto Delgado Rosa encerrou o painel sublinhando que a União Europeia deve continuar no caminho da regeneração. "Simplificámos demasiado os ecossistemas. Na agricultura, se conseguirmos ter árvores, culturas e animais, isso vai no sentido regenerativo", perspetivou. Para o responsável europeu, os incentivos devem ser bem calibrados para que não haja o "risco de simplificar mal". "É preciso ter atenção", avisou.
O painel deixou uma mensagem clara: é possível alinhar sustentabilidade e competitividade, mas exige visão de longo prazo, resiliência e coragem para transformar os modelos de produção — da floresta à agricultura, da indústria ao consumidor.