Crónica de todas as despedidas
Foram as minhas mais exuberantes despedidas. Fizeram-me bem porque me fundiram num abraço molhado, quase gritado, com pai e mãe, libertando-me para a solidão tão bonita de já não ter ninguém atrás de mim.
- Partilhar artigo
- ...
Quero falar-vos de despedidas. Foram já tantas as que vivi. Lembro-me de ter saboreado dois dos mais prodigiosos anos da minha vida na cidade do Lobito, no meio da afrodisíaca independência, numa Angola a ferro e fogo, e lá voltar para recolher uns móveis e cadeirões que me faziam falta em Luanda. Vinha numa carrinha, quase camião, de caixa aberta, a subir os morros da Gabela, a floresta densa, o nevoeiro era um manto sem brechas, e eu sentado no chão da carrinha, entre os móveis, a pujante natureza a roçar-se, tão erótica, pelos meus pujantes 22 anos, os primeiros raios de sol a serem rechaçados, uma lágrima de estupor a fugir-me perante tanta beleza, tanto silêncio e indiferença ao efémero humano. Soube então que a minha vida vadia, rebelde, tão escandalosamente jovem, estava a sair de mim e a esconder o rosto na imutável floresta e nos morros da Gabela. Por lá ficou e deslizará entre lianas, sol tórrido, a neblina das madrugadas.
Mais lidas