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Como estão as empresas portuguesas a usar a IA?

De grupos industriais e energéticos a instituições públicas, a inteligência artificial deixou de ser uma aposta exploratória e passou a integrar a estratégia central das organizações. De operações mais eficientes à criação de novos modelos de negócio. Brisa, Galp, Bondalti, Prio, Siemens e Instituto de Informática explicam onde estão a investir e como esperam transformar o seu futuro.

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Empresas portuguesas como Brisa e Galp investem em IA para eficiência e novos modelos de negócio
Empresas portuguesas como Brisa e Galp investem em IA para eficiência e novos modelos de negócio

No debate sobre inteligência artificial organizado pela Atos, todas as organizações representadas reconheceram que os investimentos em IA vão crescer. Sem revelar números concretos, Anthony Atherton, responsável pelo Portugal Tech Hub da Siemens, afirmou que a empresa está a fazer uma aposta muito forte nesta área, refletida no peso crescente da tecnologia na estratégia global.

A Siemens é hoje uma das companhias europeias com maior número de pedidos de patente no domínio da inteligência artificial, com mais de 500 famílias registadas. “Para nós, a IA não é uma opção, é uma decisão tomada. Estamos totalmente comprometidos”, sublinha o gestor.

A estrutura da multinacional foi reforçada com a criação de uma direção dedicada à IA, sinal do papel central que o tema assume na organização. “Olhamos para a IA sob duas perspetivas. Internamente, é uma alavanca para aumentar a rentabilidade e a produtividade dos nossos colaboradores. Externamente, permite-nos desenvolver produtos mais inteligentes e personalizados, reforçando a componente de software e aproximando-nos das pequenas e médias empresas, um segmento onde tradicionalmente temos menor presença.”

A estratégia inclui também investimento em empresas especializadas, como a Altair e a Dotmatics, reforçando uma lógica de crescimento inorgânico. “Sempre que identificamos companhias estratégicas no domínio da IA, avaliamos a possibilidade de investir ou de estabelecer parcerias. O investimento é elevado, tanto a nível financeiro como em literacia digital, mas sabemos que não conseguimos fazer tudo sozinhos. Por isso, o ecossistema de parceiros é fundamental.”

A confiança, acrescenta, é o verdadeiro alicerce do processo. “A inteligência artificial é uma questão de confiança em quem escolhemos para trabalhar connosco. Muitas vezes são os grandes hyperscalers, como a Microsoft, a AWS ou a Google, mas também empresas altamente especializadas em ‘narrow AI’, com as quais faz sentido criar parcerias estratégicas ou, em certos casos, avançar para aquisições.”

Empresas portuguesas como Brisa e Galp investem em IA para eficiência e novos modelos de negócio
Anthony Atherton, responsável pelo Portugal Tech Hub da Siemens.

Anthony Atherton recorda que as empresas mais valiosas do mundo são precisamente as que fornecem as ferramentas de inteligência artificial utilizadas por companhias como a Siemens. “A NVIDIA vale quase cinco biliões de dólares, a AWS e os hyperscalers continuam a crescer. Isto acontece porque as empresas estão a investir fortemente em IA e os investidores querem ver resultados. Há uma enorme pressão para medir o valor acrescentado que esta tecnologia gera.”

Destaca ainda o impacto transversal da IA nas várias áreas em que a Siemens atua, da mobilidade à energia, passando pela indústria e pelos edifícios inteligentes. “Cada setor tem os seus próprios desafios e oportunidades. No fundo, o que procuramos é usar os dados gerados pelos nossos produtos para os tornar melhores. É um ciclo contínuo de análise, simulação e inovação.”

O potencial estende-se também à investigação e desenvolvimento. “A IA já está a ser usada para criar novos materiais e substâncias, inclusive na medicina, a uma velocidade sem precedentes. É por isso que investimos em empresas como a Dotmatics, que têm essa capacidade de combinar e gerar novos compostos.”

Para o responsável, o impacto será duplo. “Por um lado, permitirá acelerar o crescimento do negócio. Por outro, tornará os processos internos mais eficientes, libertando recursos para aquilo que mais importa: sermos mais criativos e acrescentar valor aos nossos clientes e à sociedade.”

Integrar IA nos produtos e serviços da Brisa

O Grupo Brisa está a preparar um investimento significativo em 2026 e 2027, com especial foco na vertente de inteligência artificial generativa. “Vamos começar a implementá-la com mais força a partir do próximo ano, olhando para quatro grandes dimensões”, explica Pedro Gomes Mota, Chief Data Officer da Brisa.

A primeira passa pela componente fundacional e “inclui toda a estruturação das arquiteturas e tecnologias que é necessário adotar, bem como o reforço da governance. Estão a surgir novas ferramentas nesta área, que até agora não existiam, capazes de interceptar prompts e desempenhar diversas funções. Queremos explorar esse potencial. Esta base fundacional, onde se insere também a literacia digital, será um dos nossos principais eixos de investimento”, diz o Chief Data Officer da Brisa, realçando que a segunda dimensão está relacionada com a consolidação do trabalho desenvolvido em machine learning.

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Pedro Gomes Mota, Chief Data Officer da Brisa.

“Esta foi a primeira vez que o aplicámos de forma estruturada e integrada em produtos. Um dos exemplos é o Parking Buddy, da Via Verde, que permite prever, com até dois dias de antecedência, a disponibilidade de lugares de estacionamento. Também estamos a incorporar machine learning em produtos utilizados no nosso centro de coordenação operacional, tornando o trabalho das equipas de monitorização 24/7 mais eficiente. Este investimento vai continuar e crescer, até porque as áreas da empresa já não precisam de incentivo, elas próprias procuram e contratam estes serviços, tanto internamente como através de parceiros com conhecimento out of the box.”

A terceira aposta centra-se na criação de uma plataforma de GenAI self-service. “O piloto que desenvolvemos mostrou-se promissor e acreditamos que poderá ser escalado. Vamos seguir uma abordagem mista, combinando utilizações mais básicas e outras mais avançadas, introduzindo agentes e casos de uso específicos. Estamos a analisar ferramentas de workflow que permitam orquestrar vários agentes em simultâneo, para tirar partido da operação contínua 24/7 que estas soluções possibilitam.”

Por fim, o Grupo Brisa vai investir na área de AI for Development, uma vertente particularmente relevante para a A-to-Be, a empresa do grupo responsável pelo desenvolvimento de hardware e software. “Vamos aproximar esta área da equipa de data, que também desenvolve software, de modo a integrar inteligência artificial nos produtos e serviços que comercializamos”, conclui Pedro Gomes Mota.

Galp aposta em formação, produtividade e cultura interna para acelerar a inteligência artificial

O primeiro passo foi garantir que todos os colaboradores compreendem os princípios éticos e legais associados à utilização da tecnologia. “Implementámos uma formação obrigatória sobre compliance e sobre o AI Act, para assegurar que as pessoas entendem os riscos e as responsabilidades que decorrem da aplicação da inteligência artificial. É uma formação online, acessível a todos os colaboradores", explica Catarina Ceitil, CIO da Galp.

O segundo eixo incide sobre a adoção de ferramentas de produtividade baseadas em IA. “Estamos a promover o uso do Copilot Chat em toda a organização, incentivando os colaboradores a utilizá-lo no ambiente empresarial, em vez de recorrerem a ferramentas externas, como o ChatGPT. A prioridade é garantir que a utilização é feita em segurança e com proteção dos dados corporativos.”

A terceira vertente foca-se na criação de uma rede interna de AI Champions. “São pessoas dentro das diferentes áreas de negócio que nos ajudam a identificar casos de uso relevantes. Muitas vezes, há colaboradores que não sabem como a IA os pode apoiar, estamos a trabalhar em grupos para mostrar exemplos práticos e inspirar novas aplicações. Queremos que os casos de uso surjam da própria organização.”

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Catarina Ceitil, CIO da Galp.

No caso específico das licenças Copilot 365, a Galp faz um acompanhamento contínuo. “Monitorizamos a utilização e ajustamos o roll-out conforme os níveis de adoção. O objetivo é que as ferramentas sejam efetivamente usadas e que os exemplos de sucesso sirvam de vitrine para a restante organização. Acreditamos muito na ideia de show, don’t tell, mostrar resultados concretos é a melhor forma de promover a transformação.”

Para Catarina Ceitil, o impacto da inteligência artificial será transversal a todos os setores. “A IA vai permitir eliminar tarefas de baixo valor acrescentado, simplificar processos e democratizar o acesso à informação. O objetivo é libertar as pessoas para atividades com maior impacto. Ao mesmo tempo, permitirá que as decisões, tanto pessoais como profissionais, deixem de ser empíricas e passem a ser baseadas em dados.”

No caso da Galp, essa transformação tem duas dimensões essenciais. “Por um lado, na componente asset-based, a IA ajudará a aumentar a segurança e o desempenho dos ativos, garantindo maior disponibilidade operacional. Por outro, na vertente client-facing, permitirá conhecer melhor os clientes e melhorar substancialmente a qualidade do serviço prestado”, conlcuiu Catarina Ceitil.

O investimento da Galp acompanha a ambição. “Em 2024, cerca de 5% do orçamento da área de IT foi destinado à inteligência artificial. Em 2025, esse valor vai duplicar para 10%, o que é significativo face à dimensão global da empresa”, adianta Catarina Ceitil. Atualmente, a Galp gere mais de 600 aplicações em rede, o que torna a integração da IA um passo essencial para aumentar a eficiência, acelerar a inovação e sustentar o crescimento tecnológico da organização.

Segurança social terá uma cloud privada de inteligência artificial

O Instituto de Informática vai manter um volume significativo de investimento ao longo de 2025, ainda com execução associada ao PRR, mas também com projetos que se prolongam para o período pós-PRR. “Continuaremos com o projeto de RPAs que temos em curso. Atualmente, a equipa dedicada a esta área é composta por 14 pessoas e opera cerca de 30 robôs, número que deverá aumentar para cerca de 50 até ao final do ano”, explica José Pedro Neto, vogal do Conselho Diretivo do Instituto de Informática, I.P. “Estes sistemas já tiveram impacto na vida de 1,7 milhões de cidadãos, nomeadamente na atribuição do número de identificação da Segurança Social e noutras situações administrativas.”

Outra das apostas é a evolução dos agentes virtuais. “Estamos a trabalhar no desenvolvimento de soluções baseadas em Large Language Models e Natural Language Processing, tanto para o atendimento automatizado como para a marcação de serviços. Prevemos também modernizar o contact center atual, reforçando a componente multicanal, não apenas no contexto da Segurança Social, mas de toda a administração pública.”

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José Pedro Neto, vogal do Conselho Diretivo do Instituto de Informática, I.P.

A plataforma integrada de gestão de risco é outro eixo prioritário identificado por José Pedro Neto. “Temos modelos muito interessantes nesta área, designadamente ao nível da verificação de capacidade, um tema sensível na Segurança Social, onde pretendemos reduzir o número de chamadas e aumentar a eficiência dos controlos efetuados.”

O Instituto de Informática vai ainda consolidar a adoção do Copilot, que já está disponível para 2.250 colaboradores. “Temos dados que nos permitem avaliar como está a ser utilizado e quais as aplicações de maior relevância, curiosamente, o chat ocupa apenas uma posição intermédia em termos de uso.”

O Centro de Excelência em Inteligência Artificial será também reforçado. “Estamos a desenvolver um projeto que pode parecer arrojado, mas que acreditamos ser essencial, a criação de uma private cloud de inteligência artificial, que nos permitirá conjugar o melhor de dois mundos, a segurança e soberania dos nossos dados estratégicos e a redução da latência nas operações. O projeto, com um investimento superior a 3 milhões de euros, será implementado nos próximos seis meses.”

Por fim, o Instituto está a investir na área de Customer Intelligence, centrada na melhoria da experiência do utilizador. “Temos um novo portal e uma nova aplicação, e queremos compreender melhor os comportamentos dos cidadãos. Muitas vezes não se entende por que motivo alguém demora tanto tempo a concluir um pagamento, faz 15 ou 20 cliques quando podia fazê-lo em dois. É preciso identificar onde o processo trava e simplificá-lo. Só com essa análise conseguiremos evoluir em qualidade e eficiência”, conclui José Pedro Neto.

Bondalti aposta no AI first

A Bondalti está a reforçar o investimento em inteligência artificial, numa aposta que o grupo considera estratégica e transformadora. “O grupo Bondalti e o grupo José de Mello percebem claramente que estamos perante uma disrupção profunda, talvez uma das maiores que teremos oportunidade de testemunhar, com potencial para mudar radicalmente o mundo e a tecnologia”, afirma Nélio Marques, diretor de IT, Transformação Digital e Inovação. “Vamos continuar a investir de forma significativa, tanto ao nível da Bondalti como do grupo.”

Segundo o responsável, o investimento decorre em várias frentes. “Há investimentos diretos associados ao desenvolvimento e utilização de ferramentas próprias. Por exemplo, começámos a testar uma determinada ferramenta de IA, mas rapidamente percebemos que os colaboradores preferiam outra, que já utilizavam com maior facilidade. Optámos por uma solução interna que nos garante segurança e controlo sobre os dados.”

A escolha de novas ferramentas é hoje orientada por um princípio claro, AI first. “Sempre que analisamos novas soluções, perguntamo-nos de que forma incorporam inteligência artificial, que funcionalidades acrescentam e que valor geram para o negócio em comparação com as ferramentas tradicionais.”

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Nélio Marques, diretor de IT, Transformação Digital e Inovação da Bondalti.

A terceira dimensão do trabalho da Bondalti está relacionada com a reflexão estratégica sobre o impacto da IA no futuro da indústria química. “Realizámos um estudo interno para perceber como é que a inteligência artificial vai transformar o setor nos próximos dez anos e, sobretudo, para identificar as áreas em que devemos investir para não perder o ritmo da mudança. A indústria está a evoluir em várias direções, e este exercício permitiu-nos definir com maior clareza onde concentrar o investimento.”

Nélio Marques acredita que a transformação será particularmente visível em alguns setores. “Um dos mais impactados será a investigação e desenvolvimento. No caso da indústria química a inteligência artificial generativa e a modelação computacional vão acelerar de forma decisiva a criação de novas moléculas e materiais. A previsão das propriedades químicas através de simulações e sínteses virtuais vai alterar profundamente os processos de I&D. Também veremos o avanço da química computacional orientada por IA e o contributo da computação quântica, que trará uma mudança de escala.”

As operações e a produção serão igualmente transformadas. “A manutenção preditiva, a otimização energética e a redução de emissões serão áreas onde a inteligência artificial terá um impacto direto. O mesmo acontecerá na logística e supply chain, onde já estamos a registar grandes progressos, mas onde a IA preditiva vai ser ainda mais disruptiva, nomeadamente na definição de rotas e gestão de fluxos.”

O diretor de IT, Transformação Digital e Inovação da Bondalti destaca ainda o papel crescente da IA na cibersegurança. “A guerra física que se trava no mundo tem também uma dimensão digital. As ameaças deixaram de ter fronteiras. Há poucos dias, vimos aeroportos europeus pararem devido a ciberataques”, dando como exemplo, a recente indisponibilidade de um dos principais hypervisors que esteve inoperacional a nível global. “Estes fenómenos mostram bem a vulnerabilidade dos sistemas e a importância da inteligência artificial também nesta frente.”

Eletrificação é um desafio e uma oportunidade de inovação para a Prio

A Prio vai reforçar o investimento em inteligência artificial, consolidando a base tecnológica e normativa construída nos últimos anos. “Vamos continuar o trabalho que temos vindo a desenvolver na componente fundamental, governança, enquadramento normativo, formação e sensibilização, que são pilares para qualquer evolução sustentada nesta área”, explica Carlos Lopes, diretor de Sistemas de Informação da empresa.

Segundo o responsável, a Prio tem já uma utilização consolidada de modelos preditivos e robôs, sobretudo em áreas críticas como a prevenção de fraude. “Usamos robôs e modelos de IA há vários anos e continuamos a evoluir nesse domínio. No próximo ano, queremos acelerar sobretudo na vertente de inteligência artificial generativa. O objetivo é, no mínimo, duplicar o investimento face a este ano”, adianta.

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Carlos Lopes, diretor de Sistemas de Informação da Prio.

A empresa tem também em marcha três iniciativas estratégicas de grupo que integram soluções tecnológicas internas e externas com forte componente de IA. “Estão muito ligadas ao conceito de self-service, permitindo estender o uso da inteligência artificial às plataformas que suportam a nossa operação”, acrescenta destacando também o trabalho em curso com a implementação do Copilot. “Estamos a definir o plano de adoção, identificando casos de uso nas várias áreas de negócio. Começámos pelas mais tradicionais como recursos humanos, legal e financeira, mas queremos alargar a outras áreas. A estratégia passa por focar-nos em quick wins: projetos curtos, com resultados mensuráveis e de validação rápida. Se o conceito provar valor, expandimos, caso contrário, ajustamos. Estes exemplos funcionam também como inspiração interna, mostrando novas aplicações possíveis.”

As oportunidades e os impactos são vastos. “A capacidade de inovar e otimizar, e de prestar um serviço de maior qualidade aos clientes, vai ser profundamente impactada. Na área da produção já sentimos essa evolução, tal como na logística secundária. A otimização de rotas, o acompanhamento em tempo real de cargas e descargas e a gestão integrada de processos estão a transformar a operação.”

A cibersegurança e o combate à fraude são outras áreas prioritárias, mas também particularmente desafiantes. “A inteligência artificial é uma faca de dois gumes. Por um lado, ajuda-nos a proteger melhor; por outro, é também a principal ferramenta usada para atacar. E quem ataca não tem regras, tem recursos e financiamento muito superiores, o que nos obriga a estar permanentemente vigilantes.”

Carlos Lopes sublinha ainda a importância de aprofundar o conhecimento sobre o cliente. “No segmento B2B já temos um grau de conhecimento elevado, mas queremos evoluir no B2C, para personalizar a oferta e antecipar necessidades.”

Por fim, a mobilidade e a energia elétrica são áreas onde a empresa prevê um novo ciclo de transformação. “Toda a componente da mobilidade vai conhecer novos desenvolvimentos, e a eletrificação representa um desafio adicional, mas também uma enorme oportunidade de inovação”, conclui Carlos Lopes.

Gerar valor real e não ficar limitada a projetos-piloto sem impacto

Para concluir a mesa-redonda o diretor do Centro de Excelência em Inteligência Artificial da Atos Ibéria, Álvaro García López, considera que o mercado está a atravessar uma fase de maturação na utilização da inteligência artificial. “Todas as organizações estão a investir em IA, mas muitas continuam centradas em provas de conceito que não produzem retorno efetivo. É importante deixar de lado o efeito ‘multipiloto’ e apostar em programas transformacionais e integrados, capazes de gerar valor mensurável.”

Segundo o responsável, a tendência mais recente é combinar a inteligência artificial com outras tecnologias, como a hiperautomatização, para alcançar resultados concretos. “As empresas começam a perceber que é nas aplicações de back office, e não apenas nas de front office, que se conseguem ganhos significativos de eficiência e produtividade.”

A Atos em Espanha tem desenvolvido projetos em vários setores. Na Vodafone, por exemplo, a empresa aplica modelos preditivos que analisam os dados do contact center para otimizar o atendimento e resolver incidências logo na primeira chamada. No setor público espanhol, colabora com o serviço de emprego e com instituições hospitalares, utilizando a IA para reorganizar processos e reduzir listas de espera. Na área industrial, trabalha com a Navantia, criando dados sintéticos a partir de simulações do comportamento dos motores para treinar modelos de machine learning.

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Álvaro García López, diretor do Centro de Excelência em Inteligência Artificial da Atos Ibéria.

O responsável destaca também projetos no setor energético, que recorrem a drones e IA para detetar falhas em painéis fotovoltaicos, e no setor do gás, onde a inteligência artificial generativa apoia técnicos de campo através de auriculares de condução óssea, permitindo-lhes consultar manuais de operação em tempo real.

Também desenvolve soluções para o Ministério da Defesa de Espanha, aplicando a IA à automatização e análise de documentos administrativos complexos. “Os casos de uso são muitos, mas o verdadeiro desafio é escalar e transformar. Só cerca de 1% das empresas se consideram altamente maduras em inteligência artificial. E um relatório recente do MIT mostra que 95% das iniciativas não conseguem ser implementadas de forma transformacional”, alerta Álvaro García López.

Perante este cenário, a Atos redefiniu a sua estratégia interna. “Durante anos lançámos muitos pilotos, mas agora o foco é estruturar um modelo de governança federado, com políticas claras, que permita acelerar a adoção em toda a companhia. Criámos um programa holístico que combina produtividade, transformação e gestão da mudança.” O gestor sublinha a importância de envolver não apenas equipas de IT, mas também áreas de negócio, recorrendo a metodologias de design thinking para identificar os casos de uso com verdadeiro impacto. “É fundamental integrar diferentes perfis e compreender as dores comuns da organização antes de priorizar e medir resultados.”

A gestão da mudança e a governança são, na sua opinião, fatores críticos para o sucesso. “Há colaboradores que ainda veem a IA como uma ameaça e há também muito ‘overpromising’ no mercado. É essencial gerir as expectativas e garantir que a adoção é controlada e responsável. Sem governança e sem colocar as pessoas no centro, o risco é enorme.”

Outro ponto de atenção é a cibersegurança. “De acordo com a McKinsey, 40% das organizações autorizam o uso de IA pelos seus colaboradores, mas 90% admitem utilizá-la, mesmo sem enquadramento formal. Isso cria um fosso perigoso entre o que é permitido e o que realmente acontece.”

Álvaro García López acredita que o futuro passará por ecossistemas de agentes colaborativos, em que diferentes sistemas de IA interagem entre si. “Estamos a transitar de modelos centralizados para redes de agentes que cooperam. Passamos de um paradigma de human in the loop para um de coworking, em que a IA se torna um verdadeiro colega de trabalho.”

A Atos está a aplicar essa mesma filosofia na sua própria estrutura. “Estamos a criar um modelo operativo federado, com um Centro de Excelência e um Innovation Lab que nos permitem testar rapidamente o que funciona e descartar o que não resulta. A ideia é falhardepressa e aprender depressa.”

O programa interno de adoção inclui também uma forte componente de formação e requalificação. “Estamos a investir em reskilling e upskilling dos nossos colaboradores, preparando-os para um novo tipo de serviço e para um novo modo de trabalhar. As pessoas estão no centro da transformação”, conclui Álvaro García López.

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