Cerca de 70% dos edifícios em Portugal não são eficientes do ponto de vista energético. Os dados são da Associação Zero e foram revelados em 2023. Se não forem renovados, a perspetiva do mercado é que esta percentagem pode ser ainda maior. Esta é, portanto, a constatação de que uma parte significativa do parque edificado português permanece distante das metas europeias de eficiência energética. Há uma necessidade urgente de renovar edifícios antigos, modernizar infraestruturas e mobilizar investimento para esta empreitada.
Quais os desafios e as soluções que podem acelerar a transição energética no setor imobiliário? Foi a partir deste enquadramento que especialistas da Schneider Electric, Mota-Engil Ativ, Savills, TDGI e CBRE analisaram o estado atual do edificado em Portugal e apresentaram alguns dos possíveis caminhos para melhorar o desempenho energético.
António Bessa, Technical Manager da Schneider Electric, considera que neste momento em Portugal, “muitos dos edifícios existentes são bastante antigos” e, como tal, “não têm a potência necessária para o que é preciso implementar no país em termos de transição energética”. E isso assume especial relevância, acrescenta Augusto Junqueiro, CEO da Mota-Engil Ativ, “nos edifícios corporativos ou nos hospitais”.
Mathias Bressan, ESG & Sustainability Strategic Advisory da CBRE, sublinha que “50% do parque edificado de Portugal foi construído antes de 1980, é bem antigo” e defende que é necessário “separar o que é construção nova da renovação” porque “a construção nova, pela legislação, já é obrigada a ser eficiente energeticamente”. No seu entender, “a grande maioria dos projetos já não usa gás, são 100% eletrificados, têm uma preocupação muito maior com o conforto térmico e procuram utilizar o máximo possível de energia renovável”. Por isso, Mathias Bressan assegura que são as renovações que vão “necessitar de mais atenção, cuidado e financiamento”.
Também Nuno Rolo, Responsável pelo Departamento de Soluções de Energia da TDGI, cita dados da Agência para a Energia* (ADENE) para lembrar que “metade dos certificados energéticos emitidos para edifícios de serviços existentes têm uma classificação C (51,8%) [um nível mediano numa escala com oito classes energéticas], enquanto se formos para o parque edificado novo, a maioria dos certificados energéticos emitidos apresenta a classificação B (43,4%), o que decorre da maior exigência legal imposta ao edifícado novo.
Recorde-se que a diretiva europeia de eficiência energética dos edifícios (EPDB) obriga a que todos os edifícios novos tenham emissões nulas a partir de 2028 (edifícios públicos) e de 2030 (restantes).
Os edifícios residenciais deverão reduzir o consumo de energia primária em 16% até 2030 e em 20 a 22% até 2035. No que diz respeito aos não residenciais, terão de ser renovados 16% dos edifícios com pior desempenho até 2030 e 26% até 2033.
Avaliar o edificado
Antes de avançar para uma renovação, António Bessa, da Schneider Electric, salienta que é imprescindível “dar visibilidade ao que é invisível”, ou seja, “fazer uma avaliação do próprio edificado para perceber se a infraestrutura desses edifícios está dimensionada para o que é necessário”. Explica que não se consegue ser eficiente energeticamente se não se conhecer realmente o que se está a consumir e de que forma a está a consumir. Essa análise pode ser feita, mesmo em edifícios antigos, através de “equipamentos que são colocados no próprio edifício”, sendo que alguns deles “não são intrusivos, ou seja, funcionam via wireless” e, desta forma, não é necessário “destruir o edifício para colocar este tipo de equipamentos” e, ao mesmo tempo, é possível “ter pelo menos uma ideia de como é que o edifício se está a comportar” tanto ao nível do desperdício de energia como de água.
Depois de feita a análise, o desafio passa, muitas vezes, pela implementação de soluções. Na opinião de Augusto Junqueiro, “muitas vezes a implementação de soluções para baixar os consumos de energia é penosa. É muito difícil implementar em edifícios que não estavam preparados para isso. E são investimentos muito elevados”. O CEO da Mota-Engil Ativ admite que existe “um problema gigante no [parque] edificado, que será muito difícil de resolver na sua totalidade do ponto de vista da eficiência energética e dos objetivos de descarbonização”, porque em muitos casos “é inviável do ponto de vista financeiro”.
No mesmo sentido, João Gomes, responsável pelas áreas de Smart Building e Design & Build da Savills, admite que habitualmente encontra “uma ligeira resistência” nas renovações dos edifícios por parte dos proprietários ou investidores perante “tudo o que acarreta em termos económicos”. Ao constatarem que não vão ter “rendas atualizadas” ou “ocupantes que paguem o valor justo pelo ativo”, não fazem o investimento.
Já Mathias Bressan, da CBRE, tem uma perspetiva diferente: considera que os investidores “querem proteger o ativo deles e a descarbonização também é uma estratégia para gerar valor”. Muitos investidores escolhem esta via não só “pelo contexto da regulamentação, mas também como estratégia de diferenciação no mercado. Sabemos que habitações com o certificado energético A têm uma mais-valia de até 12% do seu valor. Portanto, é natural que os fundos imobiliários tenham essa preocupação. Na habitação já é mais desafiante.”
Investimento deve ter em conta o ciclo de vida do ativo
Apesar de existirem renovações cujo investimento é de tal ordem que torna o processo inviável, a verdade é que é preciso ter em conta que se trata de um investimento de longo prazo, que poderá trazer um retorno significativo. Para avaliar o custo da renovação de um imóvel, a opinião de todos os particpantes é unânime: “é preciso ter em conta o ciclo de vida do ativo”.
Segundo Mathias Bressan, “vai haver um investimento maior inicial, mas durante os 50 anos de operação daquele edifício, o investidor vai ter retorno, às vezes investe 5% a mais, mas o ativo vai valorizar 10%”. O ESG & Sustainability strategic advisory da CBRE explica que “estes investimentos têm um benefício financeiro, se olharmos para o ciclo de vida do ativo”.
Na opinião de António Bessa, “este ciclo de vida deveria ser pensado tanto para os edifícios novos como para os antigos” e avaliado não só numa perspetiva de CAPEX [despesa de capital], mas numa perspetiva mais pensada de TOTEX [despesas totais]. Ou seja, “vou ter de operar e de manter aquele edifício”.
Augusto Junqueiro salienta que “o conceito de ciclo de vida pode ser aplicado a um edifício no seu todo, mas também pode ser aplicado a partes do edifício, a componentes que consomem energia, a componentes eletromecânicos”, o que significa que, mesmo em casos mais complexos, há várias opções para melhorar a eficiência energética. “Há pouco tempo, fizemos uma análise num edifício em que era muito difícil a implementação do sistema solar. Mas tinha duas temperaturas diferentes de água a ser consumida e um só sistema de abastecimento. Se tivéssemos dois, um para a temperatura mais alta e outro para a temperatura mais baixa, já podíamos poupar energia, porque havia uma grande quantidade de água que precisava de uma temperatura mais baixa. Ao fazermos essa separação, com um investimento muito pequeno, teve quase tanto impacto no consumo de energia como os painéis solares”, exemplifica. “Se a empresa que vai fazer a instalação tiver um ciclo de vida de 10 ou 20 anos em que assegura a manutenção desse ativo eletromecânico, o benefício que ele traz em termos de consumo de energia alimenta o próprio negócio. E só é viável assim”, explica.
Outra hipótese adiantada por Augusto Junqueiro é externalizar. Muitas vezes na indústria, em que o industrial está preocupado com o seu know-how e com aquilo que produz, quer ter as soluções de energia e de água sem preocupação, e nesses casos pode externalizar. “Em vez de construir uma ETAR para tratar os seus resíduos, compra metros cúbicos de água tratada. E pode fazer a mesma coisa com o frio, compra unidades de frio, e o investimento não é dele. Nessas soluções compartimentadas podem fazer-se muitas coisas que vão diminuir o consumo de energia e consequentemente a descarbonização dos edifícios”.
Instalações elétricas subdimensionadas ou antiquadas
Para Nuno Rolo, responsável pelo departamento de soluções de energia da TDGI, um dos grandes desafios, no que diz respeito às renovações, é a eletrificação porque, apesar de ser uma tendência na nova construção, vai “colocar um desafio adicional a muitas instalações elétricas que, muitas vezes, são muito antigas e não estão preparadas para suportar a alimentação de equipamentos elétricos adicionais, em resultado da crescente eletrificação das utilizações correntes de energia, bem como da eletromobilidade. A eletrificação de processos térmicos é disto um exemplo. Tal como referido anteriormente, o crescente incentivo à redução do consumos de combustíveis fósseis, resulta por exemplo, na troca de equipamentos a Gás Natural, por equipamentos elétricos. Refira-se a título de exemplo, que há cerca de 20 anos era comum a utilização de equipamentos de climatização de edifícios, operados a Gás Natural (por exemplo Chillers, um equipamento de produção centralizada de calor e/ou frio), tendo sido posteriormente substituídos por equipamentos equivalentes, que utilizam energia elétrica.
Segundo explica Augusto Junqueiro, um problema habitual das instalações elétricas é haver estruturas subdimensionadas. “O que muitas vezes acontece, não só no universo dos serviços, mas no universo industrial, é que a indústria vai crescendo ao sabor do mercado e depois começa a ter necessidades e a ter redes de distribuição de energia dentro daquela indústria que não fazem sentido”. No entanto, sublinha que existem “soluções do ponto de vista tecnológico para diminuir o consumo de energia, para as quais a Schneider está muito vocacionada”. De acordo com António Bessa, uma dessas soluções existe “De acordo com o Decreto-Lei n.º 101-D/2020, esta medida é praticamente obrigatória, seguindo as exigências definidas pelo governo para garantir eficiência energética e sustentabilidade”, nomeadamente os “edifícios acima de uma determinada potência são obrigados a ter um sistema de gestão técnica para controlar o próprio edifício”. Além disso, “os modelos de inteligência artificial” também vão “ajudar a tomar decisões” e a estar “menos dependente da formação e da capacitação das pessoas”, refere o technical manager da Schneider Eletric. “Imaginem que tenho dois chillers - um em cada edifício - e têm comportamentos diferentes. Consigo fazer benchmarking entre eles, saber qual é o que não está bem, perceber que se continuar a trabalhar daquela maneira, provavelmente daqui a uma semana vou ter problemas e conseguir antecipar algum tipo de avaria”. “Este tipo de ferramentas”, acrescenta António Bessa, está disponível “não só nos próprios ativos, mas também numa plataforma que não está dentro do edifício, mas tem a capacidade de recolher informação de vários ativos e, com base nesses dados tomar decisões”. Existem caminhos que podem ser seguidos “sem ter de investir tanto no hardware e investir um pouco mais no software”.
Augusto Junqueiro refere outro exemplo clássico no que diz respeito à iluminação. “Há sensores de movimento, ‘burros’ e inteligentes. Os mais tradicionais simplesmente detetam movimento, acendem a luz e a luz fica acesa durante um determinado tempo. Enquanto existem outros que são inteligentes, conectados a modelos, que sempre que eu lá estiver, têm a luz acesa e quando eu saio, apaga”, explica o CEO da Mota-Engil Ativ.
Estes sensores permitem também monitorizar a ocupação do espaço, como sublinha João Gomes, da Savills. “Com o mesmo sensor conseguimos monitorizar fluxos de ocupação do espaço, que hoje em dia também é muito importante quando falamos em espaço de trabalho, quantidade de CO2 na qualidade do ar, temperatura em termos de conforto climático, luminosidade ou ruído”.
*Os dados da ADENE foram consultados em 18/11/2025 em https://www.sce.pt/estatisticas/