O presidente da ADFERSIT, Fernando Nunes da Silva, aponta barreiras estruturais, financeiras e tecnológicas que dificultam o transporte de passageiros e mercadorias, sublinhando a necessidade urgente de eletrificação, modernização e integração multimodal.
Como avalia a ADFERSIT o avanço de Portugal na interoperabilidade ferroviária, na modernização da rede (incluindo bitola europeia) e na integração com outros modos de transporte?
Na interoperabilidade ferroviária, o avanço em Portugal é, na prática, quase nulo. Mesmo só com Espanha, a interoperabilidade resume-se à existência da mesma bitola. Na sinalização, nas comunicações solo/comboio e na operação não há interoperabilidade. Também não há, que se conheça, uma estratégia conjunta para a estabelecer, o que não deixa de ser preocupante face às orientações europeias neste domínio. Quanto à interoperabilidade ferroviária com a Europa, Portugal, ao optar pela bitola ibérica, na nova rede de AV em construção, só a admite oficialmente para daqui a várias décadas, e mesmo isso suscita-nos muitas dúvidas quanto à sua exequibilidade, dado que implica a completa paragem da circulação dos comboios enquanto durar a mudança de bitola (nunca menos de um ano na linha Porto-Lisboa). Atualmente, está em curso o início da implementação do sistema de sinalização ETCS e do sistema de comunicações rádio GSMR, mas a interoperabilidade plena com a rede europeia está afastada, senão definitivamente, pelo menos por longos anos. No entanto, a ADFERSIT ainda tem alguma esperança de que, em articulação com o governo espanhol, se possa assegurar essa interoperabilidade plena (isto é, contemplando a bitola UIC) na ligação Lisboa-Madrid.
Que papel pode ocupar o transporte ferroviário nas metas nacionais e europeias de redução das emissões nos transportes?
O elemento central que mais pode contribuir para aumentar o papel do modo ferroviário no transporte de mercadorias relaciona-se com as plataformas logísticas, quer com a rodovia, quer com os portos. O plano de implementação da rede de plataformas logísticas, que foi anunciado há quase duas dezenas de anos, nunca foi implementado. A iniciativa privada avançou com alguns investimentos em plataformas logísticas rodoferroviárias e os portos de Sines e Leixões têm interfaces ferroviárias com algum desenvolvimento. Atualmente coloca-se grande esperança no estabelecimento das autoestradas ferroviárias para o transporte das caixas móveis, mas ainda, com resultados modestos. O obstáculo principal será financeiro.
No que se refere ao transporte de passageiros, a questão principal prende-se, aos dias de hoje, com a falta de material circulante, os tempos de percurso pouco competitivos em relação ao transporte rodoviário, e uma rede em que é evidente a falta de algumas ligações e articulações em termos de horários e serviços que permitam tornar mais atrativo o transporte ferroviário suburbano e as suas ligações às principais capitais de distrito.
O modo ferroviário, na medida em que a tração diesel venha a ser integralmente substituída pela tração elétrica, tem um papel central na substituição dos combustíveis fósseis e na utilização de energia elétrica proveniente de fontes renováveis.
Que investimentos são urgentes e necessários para que isso seja viável?
No que se refere ao transporte ferroviário em geral, é urgente completar a eletrificação de toda a Rede Ferroviária Nacional e, quanto ao transporte de mercadorias, é imperioso instalar catenária nas plataformas logísticas e nos ramais de carga de mercadorias. Por outro lado, é essencial modernizar as linhas ferroviárias suburbanas e regionais de forma a aumentar a velocidade de circulação e a frequência dos serviços em que a procura já o justifica.
Como assegurar que as políticas de transporte e logística sirvam tanto a agentes económicos como aos cidadãos, promovendo acessibilidade, equidade territorial, qualidade de serviço também em zonas rurais ou menos servidas?
Apoiar e incentivar o desenvolvimento de Planos de Mobilidade multimodais que permitam a integração dos vários modos de transporte (tanto públicos como privados, motorizados ou ativos) e a sua operação coordenada e com um sistema tarifário simples, devidamente integrado. No que se refere a zonas rurais e de baixa densidade, o desenvolvimento de sistemas de transportes a pedido/flexíveis e a sua articulação com o transporte escolar são hipóteses a explorar e a apoiar, pelo menos em projetos-piloto que possam depois ser replicados em outras zonas com o mesmo tipo de problemas.
Tendo em conta disrupções globais, mudanças climáticas, e não só, que medidas sugerem para aumentar a robustez das infraestruturas: rede paralela, redundância, manutenção eficaz?
Em primeiro lugar, a manutenção eficaz. Sem uma manutenção eficaz, os investimentos acabam por se degradar e não responder aos objetivos que os justificaram. Por outro lado, é essencial que se pense e adotem sistemas de redundância em relação aos elementos críticos dos sistemas para que as eventuais situações de rutura ou decorrentes das necessidades de manutenção não se traduzam em quebras dos serviços.
Em relação à inovação tecnológica, qual o estado atual no setor, no nosso país, e quais as principais barreiras à inovação?
Ao nível dos sistemas de controlo de tráfego ferroviário digitais e da sinalização avançada já estamos há vários anos a implementar essas tecnologias, com dificuldades financeiras que se traduzem num menor ritmo da sua concretização. No que se refere aos veículos elétricos, só o atraso verificado na eletrificação da rede é o que tem impedido o seu uso generalizado.
Como a ADFERSIT vê o transporte ferroviário e os modos integrados em Portugal em 2030-2040? Que papel terá Portugal no quadro europeu de transporte sustentável?
Já para o período 2030-2040, não temos uma visão otimista para a integração dos modos de transporte em Portugal. Os problemas decorrentes da segmentação de entidades que tutelam, planeiam e operam os diferentes modos e sistemas de transporte, a que se soma uma evidente carência de técnicos e a impreparação de muitos decisores ao nível local e regional, são questões que, a não serem ultrapassadas, comprometem as melhores intenções neste domínio. Note-se que, apenas a título de exemplo, Portugal é o único país europeu onde as autoridades metropolitanas de transporte só têm competências em relação ao transporte público rodoviário, ficando todos os outros modos na tutela da administração central.
Por outro lado, a integração anteriormente realizada entre a gestão das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias, assim como a separação, nesta última, entre o planeamento e a concretização das infraestruturas e a sua operação, são outros constrangimentos a um correto e eficaz desenvolvimento do nosso sistema ferroviário. No quadro europeu, o nosso papel não será relevante.