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Transportes e Logística 2025

Talento humano é o ativo mais estratégico da nova logística

Empresas enfrentam hoje a urgência de formar, atrair e reter as pessoas que vão comandar a automação.

15:43
Logística: talento humano comanda automação e digitalização em Portugal
Logística: talento humano comanda automação e digitalização em Portugal

A digitalização, a automação e a inteligência artificial estão a redesenhar o modo como as empresas planeiam, operam e distribuem. Mas, no centro dessa mudança, surgem desafios que vão muito além da tecnologia: a gestão e a valorização do talento humano.

Nos últimos anos, o setor logístico em Portugal tem acompanhado a tendência global de integração de sistemas inteligentes, automatização de processos e adoção de ferramentas analíticas. Contudo, esta evolução tecnológica está a expor uma nova fragilidade que é a falta de competências digitais e de perfis especializados. O desafio já não é apenas modernizar infraestruturas, mas garantir que as pessoas que nelas trabalham têm a capacidade de as operar, interpretar e fazer evoluir.

Para Nuno Gaspar, senior manager da unidade de consultoria da Capgemini Portugal, “a digitalização na logística e na cadeia de abastecimento deve equilibrar a automação com o desenvolvimento humano”. O especialista sublinha que a adoção de soluções de inteligência artificial deve complementar, e não substituir, a experiência humana, apoiando a tomada de decisões com dados e insights. “Modelos híbridos, com supervisão humana, garantem a flexibilidade e a empatia”, refere este responsável.

Essa abordagem, segundo a Capgemini, exige investimento contínuo na formação e literacia digital dos colaboradores, sobretudo em competências analíticas. “Está provado que sistemas personalizados e centrados nas pessoas aumentam a eficácia e o envolvimento das equipas”, acrescenta Nuno Gaspar, enquanto defende que a liderança humana continuará a ser essencial para alcançar as metas de sustentabilidade e resiliência nas cadeias de abastecimento. Ou seja, a automatização pode reduzir erros e custos, mas é a sensibilidade e o discernimento humano que asseguram a adaptação, a inovação e a confiança dentro das organizações.

Competências críticas para o futuro

A Capgemini tem vindo a trabalhar em programas de upskilling e reskilling em vários setores, e a logística não é exceção. “Há várias competências críticas para o futuro da logística em Portugal, em especial na transformação digital e na sustentabilidade”, afirma Nuno Gaspar.

Entre as mais relevantes estão a gestão digital da cadeia de abastecimento, a análise de dados e a inteligência artificial, fundamentais para decisões em tempo real e para o uso de digital twins e ferramentas de simulação. A par destas, ganham importância as tecnologias cloud, os conceitos de logística circular, a melhoria contínua e as metodologias lean.

No entanto, não basta dominar a tecnologia. “As soft skills, como a gestão da comunicação e dos stakeholders, são igualmente desenvolvidas nos nossos programas de formação”, sublinha o responsável. A nova logística precisa de profissionais com capacidade de adaptação, pensamento crítico e visão colaborativa.

Formar e requalificar

A APLOG – Associação Portuguesa de Logística reconhece que o talento é hoje um dos maiores desafios para as empresas portuguesas. Afonso Jubert Almeida, presidente da direção, reforça que a complexidade tecnológica exige equipas cada vez mais qualificadas.

“Um dos grandes desafios das empresas vai ser ter as suas equipas com formação especializada em cada um dos temas e softwares que vão utilizar”, confirma este responsável. Essa formação, acrescenta, deve começar logo na implementação de cada projeto.

A APLOG tem a formação como missão central, sendo a única entidade certificada pela ELA (European Logistics Association) em Portugal. Dispõe de programas modulares e formação à medida, adaptada às necessidades das empresas. “Os temas ligados à automação e à digitalização exigem cada vez mais formação especializada. As pessoas precisam de competências que lhes permitam responder aos desafios colocados pela introdução de novas tecnologias”, afirma Afonso Jubert Almeida.

Outra preocupação é a requalificação de recursos humanos, uma vez que a automação poderá reduzir a necessidade de mão de obra em certas funções. “As empresas terão de encontrar equilíbrio entre a eficiência tecnológica e a gestão humana, requalificando quem já está dentro das organizações”, defende Afonso Jubert Almeida.

Um dos grandes desafios das empresas vai ser ter as suas equipas com formação especializada em cada um dos temas e softwares que vão utilizar. Afonso Jubert de Almeida, presidente da direção da APLOG

Tornar a logística atraente para os jovens

A escassez de talento é também um problema de atração. O setor continua a ter dificuldade em captar jovens profissionais. Para Afonso Jubert Almeida, é fundamental começar pela base: “É preciso existir nas escolas profissionais um curso da área da logística que forme jovens que não querem ir para o ensino superior, mas que poderão ter um papel determinante em operadores logísticos, retalhistas e na indústria.”

Atualmente, essa formação é, muitas vezes, assegurada pelas próprias empresas. Contudo, o presidente da APLOG destaca que o setor tem forte potencial de empregabilidade e um perfil tecnológico cada vez mais moderno, o que deve ser mais bem comunicado. “A carreira em logística é bastante atrativa em termos tecnológicos e de oferta de emprego. É um setor que utiliza cada vez mais tecnologia e que vai ao encontro dos desafios que os jovens procuram”, acrescenta.

Hoje, várias universidades e politécnicos já oferecem licenciaturas e mestrados em logística, o que permite preparar uma nova geração de profissionais. O futuro, acredita Afonso Jubert Almeida, será de elevada procura: “É um setor em rápida evolução e com enorme necessidade de talento especializado.”

Descarbonizar sem travar a competitividade

Outro desafio que o setor tem pela frente é a reduzir emissões, mas sem perder eficiência. A pressão regulatória europeia – com o Green Deal e o pacote Fit for 55 – impõe metas exigentes de redução de emissões, que estão a transformar profundamente o setor. O desafio é reduzir a pegada de carbono sem comprometer a eficiência nem a rentabilidade das operações. Em Portugal, a resposta começa a ganhar forma com soluções tecnológicas e de processo que prometem acelerar a transição.

Segundo Nuno Gaspar, da Capgemini Portugal, a empresa tem vindo a apoiar operadores logísticos e industriais nesta transição através de uma abordagem integrada. “A Capgemini disponibiliza soluções de sustentabilidade específicas para o setor da logística que ajudam os clientes a cumprir as exigências regulatórias, mantendo a competitividade das empresas e dos seus negócios”, conta.

O especialista destaca três eixos essenciais: eficiência operacional, gestão de dados ESG e reformulação das operações e do produto. “As nossas soluções estão muito focadas nas emissões de Scope 3, que dominam a pegada de carbono na logística”, explica o responsável.

No plano tecnológico, o portefólio é vasto e reflete a transformação digital em curso no setor. “Além da inteligência artificial e do data analytics, com impacto no forecasting e na rastreabilidade do carbono, destacam-se as soluções de IoT e sensores inteligentes, a cloud computing, que permite escalabilidade e colaboração, e os digital twins, com foco na simulação e otimização das cadeias de abastecimento”, detalha Nuno Gaspar.

A Capgemini tem vindo a aplicar estas ferramentas em múltiplos setores. “No retalho, temos projetos que contribuem para a redução do desperdício alimentar, e na indústria automóvel apoiamos o desenvolvimento de veículos elétricos orientados para a mobilidade urbana”, acrescenta Nuno Gaspar.

Passos sustentáveis para as PME

Contudo, a realidade nacional é marcada pela predominância de PME logísticas, muitas das quais não dispõem de meios para grandes investimentos imediatos. A Capgemini propõe, por isso, uma estratégia “step by step”, assente em cinco pilares.

O primeiro é o aprovisionamento sustentável, incentivando a escolha de fornecedores com práticas ambientais responsáveis. O segundo assenta na aplicação de princípios lean, para reduzir desperdícios e consumo energético. O terceiro propõe a otimização da cadeia de distribuição, através da consolidação de cargas e uso de plataformas logísticas partilhadas.

Segue-se a aposta na transparência e na gestão do ciclo de vida dos produtos, aproveitando os sistemas existentes, como ERP e soluções de análise de dados, para rastrear emissões e monitorizar indicadores ESG. Por fim, o quinto pilar reforça a economia circular e a logística inversa, promovendo a reutilização de materiais e a recuperação de valor.

“A digitalização e a sustentabilidade são complementares. Soluções modulares permitem às PME começar com investimentos reduzidos e escalar progressivamente, com apoio em parcerias, formação e boa governação”, sublinha Nuno Gaspar.

Setor em transição

Também Afonso Jubert Almeida, da APLOG, reconhece que o setor está a dar passos firmes para mudar. “As empresas de logística já estão há bastante tempo a agir com diversas iniciativas ou boas práticas para reduzir a pegada ambiental”, assegura este responsável. A aposta em edifícios logísticos mais eficientes, com painéis fotovoltaicos e materiais sustentáveis, e o peso crescente da economia circular são algumas medidas a serem adotadas. “Muitas empresas levam muito a sério este tema e têm objetivos muito concretos nessa matéria”, diz Afonso Jubert Almeida.

Nos transportes, a mudança também já se sente. “Nas pequenas entregas, há um aumento muito significativo de viaturas elétricas, sobretudo nas regiões da Grande Lisboa e Porto. Algumas das principais empresas do mercado têm hoje quase metade da frota em viaturas elétricas, e prevê-se que até ao fim da década a grande maioria das viaturas sejam mais sustentáveis e amigas do ambiente”, aponta o mesmo responsável.

Além da substituição de frotas, há um papel crescente das ferramentas digitais. “Os TMS de última geração permitem um melhor planeamento das rotas, uma melhor ocupação e uma redução dos quilómetros em vazio”, explica o presidente da direção da APLOG. O dirigente defende, todavia, que a transformação exige políticas públicas eficazes, nomeadamente incentivos à renovação de frotas e ao desenvolvimento de infraestruturas de carregamento elétrico.

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