A inteligência artificial, a automação, o blockchain e as plataformas digitais já não são apenas tendências internacionais, são exigências concretas para os operadores que querem responder a um cliente mais exigente, a cadeias de abastecimento mais complexas e à pressão crescente sobre custos. O alerta é dado por Nuno Gaspar, senior manager da unidade de consultoria da Capgemini Portugal, que não hesita em sublinhar que há riscos para os operadores se se mantiverem atrasados. “Existem riscos significativos na competitividade logística caso não se acelere a adoção tecnológica e o investimento em infraestruturas” confirma o responsável. Segundo o responsável, “a falta de modernização pode estrangular as operações, aumentar os custos e reduzir a atratividade do país face aos operadores de outras geografias.” A lentidão na adoção de automação, plataformas digitais e soluções sustentáveis compromete não só a integração de Portugal nas cadeias globais, como também a capacidade de resposta a choques externos. “A ausência de investimento pode levar à perda de oportunidades económicas e impactar negativamente a confiança dos investidores, especialmente no que diz respeito a ativos logísticos com certificações ESG e à flexibilidade contratual”, acrescenta Nuno Gaspar.
Áreas de maior impacto tecnológico
As transformações tecnológicas não são homogéneas em toda a cadeia logística. A Capgemini tem identificado quatro áreas críticas – previsão de procura, last mile, planeamento de rotas e gestão de inventário – onde os ganhos são já visíveis. Segundo Nuno Gaspar, é no last mile que o impacto é mais notório. “A automação e a inteligência artificial estão a transformar radicalmente esta etapa, reduzindo custos e aumentando a velocidade da entrega ao cliente. Representa até 41% dos custos totais identificados neste tipo de serviço em todo o mundo”, explica o especialista.
O demand planning é outra área em aceleração, com melhorias de fiabilidade que, em alguns casos, chegam aos 15% relativamente aos métodos tradicionais. Já o planeamento de rotas, suportado por IA e analítica preditiva, permite reduzir tempos de circulação e consumo de combustível, garantindo eficiência e flexibilidade em situações de disrupção. A gestão de inventário, por seu lado, beneficia da robótica e da IA, otimizando stocks e redesenhando plataformas logísticas.
Desafios ibéricos e barreiras à adoção
Em Portugal, a discussão sobre a colaboração humano-máquina ganhou protagonismo. Afonso Jubert Almeida, presidente da Direção da APLOG, recorda que o próximo congresso da associação (14 e 15 de outubro) terá precisamente este tema como central. Segundo ele, as empresas de logística há já bastante tempo que estão a utilizar novas soluções que incluem digitalização, IA e automação. “Existem avanços muito significativos, como armazéns competitivos para a distribuição do comércio online ou casos de sucesso na indústria. Nos operadores logísticos, a realidade é mais heterogénea, porque operam em contexto multicliente e soluções standard nem sempre são aplicáveis”, explica Jubert Almeida. Ainda assim, reconhece que os investimentos são exigentes e nem todas as organizações têm capacidade para acompanhar o ritmo. “As empresas estão a apostar, mas existe ainda um longo caminho de modernização a percorrer”, acrescenta este responsável.
Quando comparadas com os países do centro e norte da Europa, as empresas portuguesas e espanholas registam um ritmo mais lento na adoção destas soluções. Nuno Gaspar identifica várias barreiras para isto acontecer. Entre os obstáculos destaca as limitações de capital e acesso a financiamento, especialmente para PME; o baixo nível de maturidade digital; a escassez de profissionais qualificados e os elevados custos operacionais, como energia e combustíveis.
Blockchain, cloud e I&D
No campo da rastreabilidade, o blockchain surge como solução estruturante. “Um exemplo clássico é a confirmação com total segurança da localização e do estado das mercadorias, desde a origem até à entrega final”, refere o consultor da Capgemini. Entre as vantagens estão a confiança gerada pela encriptação e validação descentralizada, a garantia de autenticidade dos produtos e a diminuição de litígios. Portugal, contudo, ainda está numa fase inicial de adoção. Existem já grandes projetos apoiados pelo PRR que merecem acompanhamento atento.
Se, por um lado, as empresas ainda enfrentam dificuldades de investimento, por outro há sinais positivos na ligação entre academia e setor empresarial. Afonso Jubert Almeida destaca o papel de centros como o CoLAB LogIN no Politécnico da Guarda, o CEiiA, o INEGI, a FEUP, o ISCTE, o IST, a Nova SBE, a FCT e o Politécnico de Setúbal, entre outros. “Só através de uma estreita colaboração entre academia, empresas e startups é que Portugal poderá ser mais competitivo, eficiente e sustentável neste mundo da logística global”, reconhece o responsável.