Vaticano acusado de ocultar transferências com “chave mestra” financeira
O Vaticano enfrenta novas acusações que ameaçam reabrir feridas antigas na sua gestão financeira. Libero Milone, antigo auditor nomeado pelo Papa Francisco em 2015 para implementar reformas de transparência, afirma que a Agência para o Património da Sé Apostólica (APSA) dispunha de uma ferramenta capaz de modificar nomes e números de contas em transferências bancárias realizadas através do sistema internacional SWIFT.
Segundo Milone, esta capacidade, descrita como uma “chave mestra para o branqueamento de capitais”, permitiria enviar fundos a clientes privados sem revelar a identidade dos envolvidos, contornando as regras mais básicas de combate à fraude. “Tenho um papel que diz que podem mudar as transações, podem mudar o nome, a qualquer momento”, disse o ex-auditor, sublinhando que não quer “chantagear ninguém”, apesar de afirmar dispor de mais provas sobre as alegadas irregularidades.
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Libero Milone defende que esta prática viola padrões internacionais e, caso fosse confirmada, poderia colocar o Vaticano numa lista negra financeira global, cortando o seu acesso às redes bancárias e obrigando-o a movimentar dinheiro apenas em numerário. A notícia é avançada pelo Politico.
O ex-auditor revelou ter tomado conhecimento da suposta ferramenta quando o cardeal australiano George Pell, então responsável pela Secretaria para a Economia, lhe pediu que investigasse a questão. Numa carta de 2016 dirigida a Milone, e divulgada pelo site The Pillar, Pell alertava para um pedido da APSA para “alterar os controlos no sistema SWIFT”, algo que considerava “potencialmente ilegal” – mas uma alegação que é contestada do ponto de vista técnico.
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As revelações surgem num momento crítico para o Papa Leão XIV, eleito em maio com a promessa de restaurar a confiança na Igreja após várias polémicas financeiras. Apesar de o Vaticano ter anunciado recentemente lucros de 62,2 milhões de euros na APSA, um aumento face aos 45,9 milhões do ano anterior, as acusações de Milone ameaçam minar esse aparente progresso.
O caso remonta à passagem de Milone pelo cargo de auditor-geral. Dois anos após a nomeação, foi forçado a demitir-se sob a acusação de espionagem, uma acusação que nega, alegando ter sido afastado por denunciar irregularidades que envolviam o cardeal Giovanni Angelo Becciu. Este foi condenado em 2023 por desvio de fundos e por participar num negócio imobiliário falhado em Londres que custou mais de 100 milhões de euros ao Vaticano.
Milone diz ter reportado estas suspeitas diretamente ao Papa Francisco e ao secretário de Estado Pietro Parolin, além de outros altos responsáveis, mas que não obteve resposta de entidades que, segundo ele, tinham “o dever de investigar”.
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O Vaticano rejeita veemente as acusações. “As alegações são completamente infundadas”, afirmou ao Politico o porta-voz Matteo Bruni, acrescentando que a APSA “não prestava serviços a clientes privados” em 2016, quando George Pell enviou a carta, e que auditorias da PwC e da ASIF, realizadas entre 2020 e 2024, não detetaram “nenhuma anomalia”.
Fontes com conhecimento do funcionamento do SWIFT também contestam a versão de Milone, garantindo que “não é possível alterar o conteúdo de uma mensagem de pagamento depois de ser enviada”, devido a sistemas de encriptação e assinaturas digitais que protegem cada operação.
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