As rotas da escrita por percorrer
Fernando Pessoa, Almada Negreiros e uma noite de tempestade. Os dois no interior do Martinho da Arcada. O segundo sai do café da capital portuguesa para gritar com a trovoada. Quando regressa, encontra o poeta debaixo de uma mesa, escondido. A história (ou o mito) é contada por um funcionário do estabelecimento do Terreiro do Paço. O açucareiro e a chávena branca, réplicas das que Pessoa utilizava quando ia àquele café, ali estão sobre a mesa. À espera que os visitem.
Há momentos, ruas e espaços a explorar na vida literária de Lisboa – e de Portugal. Fernando Pessoa, José Cardoso Pires, José Saramago, Miguel Torga, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós e Luís de Camões são (apenas) alguns dos nomes em que a vida, a obra e o País se cruzaram. Falta que tal seja divulgado. Não há um plano de investimento geral, mas existem empresas a percorrer os caminhos destes escritores. A Lisboa Autêntica é um dos casos. No próximo sábado, 30 de Março, estreia o passeio "Lisboa com Fernando Pessoa". As curiosidades do poeta dos heterónimos serão reveladas por Fabrizio Boscaglia, italiano estudioso de Pessoa. "Uma redescoberta de Lisboa (Chiado e Baixa) através das palavras de Pessoa dedicadas à capital", antecipa Boscaglia.
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"Portugal anda, de uma maneira genérica, a promover Portugal com acções centradas sobretudo no sol e no golfe", critica Inês Pedrosa, directora da Casa Fernando Pessoa. A cultura literária, segmento distintivo do país, não é aproveitada, segundo a escritora, que dá como exemplo a seguir a aposta que Praga fez no célebre Franz Kafka. Inês Pedrosa pretende lançar um roteiro do poeta que dá nome à casa que dirige. Há questões logísticas a tornear.
A indicação, através de placas ou sinais, dos locais onde viveram e trabalharam os grandes nomes que escreveram textos e versos portugueses seria uma forma de facilitar um investimento no turismo literário. A casa onde Fernando Pessoa nasceu, no Largo de São Carlos, tem essa sinalização. Nos edifícios onde viveu, trabalhou, namorou e escreveu não existem indicações. Segundo Inês Pedrosa, a autarquia de Lisboa comprometeu-se a assinalar esses locais, "para que o percurso [pessoano] possa ser facilitado a quem não venha em excursões organizadas".
E porque não uma placa a dizer que José Cardoso Pires passava muito tempo no British Bar, para os lados do Cais do Sodré? Esta é a última paragem do passeio Lisboa Literária, organizado pela Lisbon Walker – um percurso que pisa zonas ligadas a Gil Vicente, Padre António Vieira ou Manuel Maria Barbosa du Bocage. A marcação territorial "iria acrescentar algo" à oferta actual do turismo literário, considera também José Antunes, da Lisbon Walker. Mas, na sua opinião, embora haja potencial para o turismo literário, a projecção da língua portuguesa faz com que seja sempre limitado.
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A capital não está sozinha nos roteiros literários. Em Coimbra e Sintra, há rotas organizadas pela Cistertour e, em Leiria, também se passeia pelas linhas vividas pelos escritores. Nesta última cidade, a "escolha recaiu sobre os autores leirienses Francisco Rodrigues Lobo, Acácio de Paiva e Afonso Lopes Vieira, bem como Eça de Queirós e Miguel Torga que, por razões profissionais, passaram por Leiria", conta Miguel Narciso, da divisão de acção cultural do município de Leiria. Uma das paragens é no Solar do Barão de Salgueiro. Uma das histórias contadas é a de que o autor de "Os Maias" – que foi administrador do concelho de Leiria – se vestiu de tirolês para um baile de máscaras nesse solar. Corria o ano de 1871. Eça foi ao baile mas decidiu, aí, entrar numa das divisões íntimas da casa com uma senhora. Teve, depois, de abandonar o espaço. Não para gritar com a trovoada. Mas sim porque foi expulso pelo barão.
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