7 perguntas e respostas sobre a regulação do trabalho nas plataformas
O tema tem marcado a agenda das instituições europeias e dos parlamentos nacionais. Legislação portuguesa terá de se articular com uma diretiva que ainda não reúne consenso entre os Estados-membros.
- Partilhar artigo
- ...
1. Porque se quer regular o trabalho em plataformas?
A prestação de serviços via plataformas digitais tem vindo a generalizar-se e a assumir cada vez maior peso na economia, mas permanece largamente isenta das obrigações laborais e sociais que têm de ser cumpridas por outras empresas. A Organização Internacional do Trabalho contava no início do ano passado 777 multinacionais neste setor, o quíntuplo de uma década antes. As receitas globais terão atingido 52 mil milhões de dólares em 2019, mas com metade dos trabalhadores ao serviço destas plataformas a ganharem "menos de dois dólares por hora". Devido à falta de regulação do setor, também ninguém sabe quantos são. Estima-se que na Europa mais de um quinto dos trabalhadores tenha alguma vez prestado serviço através de plataformas digitais. A Comissão Europeia põe o número em 28 milhões no espaço da UE.
2. O que está em causa na UE?
Na União Europeia, sobretudo, discute-se neste momento um enquadramento comum para a regulação das relações de trabalho em plataformas face às abordagens diferentes que se têm vindo a impor em diferentes países ao ritmo de decisões judiciais e de iniciativas legislativas nacionais. Da perspetiva de Bruxelas, pretende-se que haja reconhecimento de um vínculo contratual sempre que estejam em causa relações de falso trabalho independente, e com isso garantir uma série de direitos associados, como o acesso a um salário mínimo e à cobertura de proteção social. Os objetivos passam ainda por assegurar que a gestão algorítmica do trabalho não viola direitos básicos. Por exemplo, no bloqueio de acesso ao trabalho via aplicativos sem que se conheça a forma como foi tomada a decisão e sem que esta possa ser contestada.
3. O que propõe a Comissão Europeia?
A proposta formal de diretiva da Comissão Europeia foi apresentada no final de 2021. Prevê cinco critérios através dos quais as inspeções de trabalho nos diferentes países poderão reconhecer contratos de trabalho e direitos associados. São estes "a determinação do nível de remuneração ou estabelecer limites máximos; supervisionar o desempenho através de meios eletrónicos; restringir a liberdade de escolha de horário ou períodos de ausência, de aceitar ou recusar tarefas, ou usar prestadores de serviços ou substitutos; estabelecer regras obrigatórias no que diz respeito à aparência, conduta para com o recetor do serviço ou quanto ao desempenho do trabalho; e restringir a possibilidade de construção de uma base de clientes ou de realizar trabalho para terceiros". A ideia é que bastem dois destes critérios para reconhecer um contrato, mas que estes possam ser refutados pelas empresas de plataformas. Pretende-se também exigir a transparência das fórmulas usadas nas aplicações para gerir trabalho e prestação de serviços, dar o direito de reclamação sobre decisões tomadas pelos algoritmos e obrigar as plataformas a declararem em cada jurisdição qual o número de trabalhadores que nela têm a cargo.
4. Qual o impacto previsto das mudanças?
Com estas regras, a Comissão Europeia acredita que 20% dos trabalhadores ao serviço de plataformas poderão ver reconhecido um contrato, representando 5,5 milhões. O impacto no rendimento dos trabalhadores pode atingir 484 milhões de euros, com Bruxelas a estimar ganhos anuais por trabalhador que podem oscilar entre 121 e 1.800 euros.
5. O que defende o Parlamento Europeu?
A proposta de diretiva europeia tem estado a ser discutida no seio da Comissão de Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu, num processo liderado pela eurodeputada italiana Elisabeta Gualmini, do Partido Socialista Europeu. As mudanças propostas pela relatora visam considerar uma lista muito maior de indícios do que os cinco propostos por Bruxelas, mas remetendo-os para um anexo à discrição dos Estados-membros na tomada de decisões. Da lista não exaustiva constam aspetos como a geolocalização dos trabalhadores, os sistemas de "rating" e imposição de sanções, mas também o facto de as plataformas assumirem formação, seguros ou outros meios de proteção social em nome dos trabalhadores, ou mesmo terem a propriedade dos meios digitais usados no trabalho, como as aplicações. Os eurodeputados da comissão procuravam ontem, à hora de fecho desta edição, um acordo sobre a versão final.
6. Como está o processo no Conselho Europeu?
Está, até aqui, num impasse. Na última reunião de ministros do Trabalho da UE, sob a presidência checa, foi discutida uma proposta de Praga para aumentar o número de indícios necessários para o reconhecimento de trabalho subordinado ao serviço das plataformas digitais: para três em sete, ao invés de dois em cinco. Prevê também que os indícios não sejam relevantes quando resultem do cumprimento das leis nacionais, e que os países possam afastar a presunção legal. Portugal, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Malta, Grécia e Países Baixos opuseram-se, com Roménia e Alemanha a absterem-se. A diretiva também poderá não conhecer avanços durante a próxima presidência da UE, pela Suécia, que se opõe à legislação europeia, havendo expectativas quanto a um acordo sob a liderança espanhola, só na segunda metade do próximo ano. Nesse caso, na melhor das hipóteses os Estados-membros serão obrigados a ter nova legislação na segunda metade de 2025.
7. Porque é que Portugal não espera?
O Governo português tem dito que não quer esperar pela diretiva para aprovar as suas próprias regras porque se comprometeu a aprovar legislação nacional sobre as plataformas até ao final de março de 2023, no âmbito das metas do PRR. A proposta portuguesa tem sido criticada por admitir que o contrato seja assinado com as empresas intermediárias, e não com as próprias multinacionais (como prevê a proposta de diretiva). Em todo o caso, a mais recente versão do PS inclui uma norma que diz que as plataformas digitais são solidariamente responsáveis pelo pagamento de créditos (salários ou compensações), pelos descontos para a Segurança Social e pelas multas que os intermediários não assegurem.
Mais lidas