Supremo reconhece contrato de trabalho a estafeta da Glovo

Numa segunda decisão, o Supremo Tribunal de Justiça considera que a Glovo não conseguiu demonstrar que o trabalho não é subordinado.
Glovo
Miguel Barreira
29 de Maio de 2025 às 11:56

É a segunda decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o trabalho nas plataformas digitais e volta a ser unânime e favorável ao Ministério Público, que atua em nome dos estafetas. 

Desta vez, numa decisão que contraria os argumentos da Glovo, o STJ decidiu o reconhecimento de um contrato de trabalho que tinha sido negado pelo tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Estes tribunais consideraram que a Glovo tinha conseguido ilidir – ou seja, afastar – a presunção de laboralidade, ou seja, a ideia de que o trabalho é subordinado.

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Em comunicado, o STJ refere que reconheceu ontem, dia 28 de maio, "a existência, no caso concreto, de uma relação de trabalho entre a plataforma digital Glovo e um estafeta".

Neste processo, "já em fase anterior se tinha concluído que se verificavam cinco dos seis elementos que indiciam uma relação de trabalho". confirma o STJ.

"O recurso pretendia que o STJ decidisse se a Glovo apresentava factos suficientes para refutar a existência de contrato de trabalho. Depois de analisar os factos, o STJ entendeu que a Glovo não logrou provar o contrário e, por isso, reconheceu a existência de uma relação de trabalho entre a empresa e o estafeta em questão".

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Os tribunais de primeira instância e da Relação têm tomado decisões contraditórias sobre o reconhecimento de contrato de trabalho a estafetas das plataformas digitais. De tal forma, que o caso chegou ao Supremo, sendo as decisões aguardadas com expectativa pelas partes. 

Numa primeira decisão, ainda este mês, relacionada com estafetas da Uber, o STJ tinha decidido que mesmo que a (falsa) prestação de serviços tenha começado antes da entrada em vigor das novas regras para a presunção de laboralidade (em maio de 2023), e desde que a relação de trabalho tenha prosseguido além dessa data, os tribunais devem aplicar as novas regras, que são mais adaptadas às características do trabalho dos estafetas, tal como o Negócios noticiou na semana passada.

Os argumentos

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No acórdão, o STJ reconhece que, embora no caso concreto se encontrassem verificados cinco dos seis indícios da presunção de laboralidade (quando bastam apenas dois), é necessária uma abordagem "holística" de todos os factos e circunstâncias.

O acórdão sustenta que é relevante a "forte inserção do estafeta na organização algorítmica" da ré, a Glovo, "encontrando-se no mesmo, inclusivamente (…) abrangido por um seguro de acidentes pessoais".

O acórdão também releva o facto de serem geridas pela Glovo a plataforma digital e as aplicações associadas  "as quais – enquanto intermediário tecnológico no processo de transmissão dos dados relativos aos pedidos formulados pelo utilizador-cliente – são os instrumentos de trabalho essenciais do estafeta".

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"Toda a sua atividade está condicionada pela efetiva ligação/conexão a estas ferramentas digitais, pelo que, neste contexto, não assume relevo decisivo o facto de o estafeta escolher a área em que trabalha, poder recusar serviços e conectar-se/desconectar-se da aplicação sempre que o entenda, sem ter de cumprir qualquer horário predefinido, nem de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade", lê-se no resumo do acórdão.


Desvalorizando a inexistência de um contrato de trabalho como elemento "central", ou os multiplicadores que permitem alterar o valor base do serviço, o acórdão reconhece, no entanto, que "o facto de o estafeta pagar à ré uma taxa pela utilização da plataforma contrasta especialmente com a matriz típica de uma relação de trabalho subordinado", embora acrescente que tal não é decisivo.

"Há ainda a considerar o facto de o estafeta não ter qualquer obrigação de resultado para com a contraparte, bem como a circunstância de ele não assumir algum risco financeiro ou económico, conclui-se que a ré não logrou ilidir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital".

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Glovo diz que cada caso é diferente

Contactada pelo Negócios, uma porta-voz da Glovo sublinha que "cada caso tem aspetos diferentes".

"Continuaremos a defender a legalidade do nosso modelo operacional para alterar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Cada caso tem aspetos diferentes e acreditamos que teremos decisões diferentes no futuro", refere.

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A Glovo "mantém o seu compromisso com Portugal e com as centenas de milhares de parceiros, clientes e estafetas que utilizam a tecnologia diariamente", conclui.

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