"Atingir onde dói: a carteira do sistema". Franceses preparam greve de pagamentos com cartão

Movimento que começou através das redes sociais deverá começar a 10 de setembro e prologar-se por "tempo ilimitado". Querem boicotar as diretrizes do orçamento do governo francês. "Basta à austeridade de Bayrou", dizem.
Franceses preparam greve de pagamentos com cartões de crédito.
AP / Leonie Asendorpf
Bárbara Cardoso 06 de Setembro de 2025 às 19:00

Está há menos de um ano no cargo, mas o primeiro-ministro francês, François Bayrou, está prestes a enfrentar o primeiro grande movimento social contra o seu Governo. Desde 19 de julho, circula nas redes sociais um apelo por parte de vários coletivos que incentivam os franceses a não usarem o cartão de crédito para fazer pagamentos, a tirarem o dinheiro dos grandes bancos "cúmplices da especulação e da política de destruição social" e de se recusarem a consumir "o que alimenta o sistema", seja gasolina, fast-fashion ou mesmo produtos de supermercados nacionais. Tudo a partir de 10 de setembro.

Isto é apenas parte de um grande movimento que tem apenas um objetivo: parar França. Querem fazer mossa na economia do país, em resposta à proposta do Orçamento de Estado do Governo para 2026, que prevê cortes de 44 mil milhões de euros, através da suspensão de dois feriados, cortes na saúde, pensões e empregos públicos. A proposta, apresentada a 15 de julho, foi contestada por partidos de todas as cores políticas do sistema e sindicatos gauleses.

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Apelam à mesma indignação e mobilização que os "coletes amarelos" reuniram em novembro de 2018, quando os franceses se manifestaram contra os aumentos dos preços dos combustíveis e o elevado custo de vida. O movimento previsto para setembro deverá assumir o mesmo cunho radical: além do boicote à banca e às compras em empresas que façam mexer a economia francesa, incitam a "parar de trabalhar o máximo possível, tirar férias, pedir licença médica, desacelerar voluntariamente a produção" ou mesmo "suspender pagamentos simbólicos, como deixar de validar bilhetes de transporte, atrasar simbolicamente os impostos para denunciar a sua utilização injusta". Ao mesmo tempo, aconselham apoiar cadeias de abastecimento locais, para criar uma economia própria.

"Sem nós, eles não são nada". "Um lockdown total e ilimitado". "Não pagaremos mais, não consumiremos mais, não trabalharemos mais". "Boicote, desobediência e solidariedade cívica", vão escrevendo nas redes sociais. O sindicato Solidaires foi um dos que se juntou à greve, para "lutar contra o projeto orçamental injusto, que afetará particularmente os trabalhadores e a população, os mais vulneráveis, mulheres, aposentados, beneficiários de assistência social e doentes. Independentemente do governo, rejeitamos a austeridade e defendemos alternativas orçamentais", dizem num comunicado publicado no . Também a Confederação Geral dos Sindicatos (CGT) se aliou, ainda que tenha alertado à possível infiltração da extrema-direita nos protestos.

O movimento criado para fazer pagamentos em numerário, em vez de cartão, visa "retomar o controlo do nosso dinheiro" e para "atingir onde dói: a carteira do sistema". 

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No ano passado, a maioria das transações em pontos de venda foram feitas através de cartões bancários, segundo o Banco de França. Entre os vários comentários e publicações nas redes sociais de quem afirma que irá juntar-se ao movimento surgem dois grandes números, sem que nenhuma fonte seja fornecida. "Se 10 milhões de franceses parassem de usar os cartões de crédito durante um mês, representaria 15 mil milhões de euros desviados do sistema" e "6 mil milhões de euros evaporados em comissões, rastreamento, etc."

Estas taxas, que totalizam, em média, 0,5% por transação, são, portanto, usadas em parte para cobrir o custo do pagamento. Essas comissões são mais altas nos pagamentos online, entre 1% e 1,5%, devido ao alto nível de risco. 

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De acordo com dados do Observatório de Segurança de Pagamentos do Banco da França, citados pelo Le Figaro, os franceses gastaram 806 mil milhões de euros com cartões bancários, o que perfez uma média de 67,2 mil milhões por mês no ano passado. As contas feitas pelo jornal estimam que os 10 milhões de consumidores que deixariam de recorrer ao cartão para realizar pagamentos durante um mês iriam culminar em 12,3 mil milhões de euros em gastos perdidos - valor não muito distante dos 15 mil milhões de euros apresentados -, isto considerando pagamentos realizados por maiores de idade, cerca de 54,6 milhões de pessoas. 

Considerando a comissão média de 0,5% por transação, os custos evitados rondariam os 60 milhões de euros, um valor significativamente mais baixo do que os seis mil milhões que circulavam pelas redes sociais. 

"Ao longo do ano, para todo o setor de pagamentos em França, as comissões sobre pagamentos com cartão representam apenas entre dois mil milhões e quatro mil milhões de euros em receita", explicou ao jornal Michel Khazzaka, fundador da Valuechain e membro do conselho de administração do Fórum de Pagamentos de França. 

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"Os bancos não vivem disso, especialmente porque os pagamentos e sua segurança lhes custam caro." Desse ponto de vista, o impacto no "sistema" seria limitado.


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