Liga censura o próprio governo e Itália arrisca orçamento provisório

Matteo Salvini acelerou a crise política e a Liga anunciou que vai submeter uma moção de censura ao primeiro-ministro Conte. O calendário apertado adensa o risco de país ficar com um orçamento provisório e uma nova confrontação com Bruxelas.
Di Maio Salvini
Reuters
David Santiago 09 de Agosto de 2019 às 14:56

Itália está em vias de viver o segundo "verão quente" consecutivo. Um ano depois de o então recém-formado governo de coligação Liga-5 Estrelas ter deixado os mercados em alvoroço, a crise política aberta por Matteo Salvini é novamente motivo de apreensão.

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Além da instabilidade e incerteza inerentes a uma crise política, desde logo quanto à data das eleições antecipadas, o calendário escolhido por Salvini complica a definição do próximo orçamento.

Até 15 de outubro, Roma tem de enviar para a Comissão Europeia a respetiva proposta orçamental e, até o dia 20 seguinte, terá de apresentar, no parlamento transalpino, um plano orçamental com previsões a três anos. Uma vez que nessa altura não deverá existir nenhum governo em plenitude de funções, Roma poderá não conseguir mais do que aprovar um orçamento provisório.

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Tal possibilidade - e mesmo independentemente do conteúdo, o qual poderá representar a reabertura de uma via de confrontação com a Comissão Europeia -, será sempre vista com muitas reticências em Bruxelas. Até porque a concretização de medidas como o grande corte de impostos ou a flexibilização do acesso a pensões antecipadas eram planos previstos para o próximo orçamento.

A grande preocupação do presidente de Itália, Sergio Mattarella, refere a imprensa transalpina, passa precisamente pela possibilidade de as eleições decorrerem em pleno processo de definição e aprovação do orçamento do país. Há um ano, foi Mattarella o político que mais pugnou contra o impasse gerado entre Roma e Bruxelas após a Comissão ter chumbado a proposta orçamental de Itália.

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A Fitch pronuncia-se esta sexta-feira sobre a dívida italiana, o que não vem na melhor altura tendo em conta que os juros da dívida italiana a 10 anos registaram hoje a maior subida deste ano e que a bolsa de Milão segue a perder 2,5%.

Salvini com pressa

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A Liga (extrema-direita soberanista) do vice-primeiro-ministro Salvini anunciou esta sexta-feira, 9 de agosto, que vai apresentar, no parlamento, uma moção de censura contra o seu próprio primeiro-ministro, Giuseppe Conte.

"Demasiados nãos (referência à votação sobre a ligação ferroviária Turim-Lyon) prejudicam Itália, que precisa voltar a crescer e, portanto, voltar às urnas", lê-se num comunicado em que a Liga explica a censura a Conte. Esta quinta-feira, depois de um encontro de emergência com o primeiro-ministro, Matteo Salvini assumiu a rutura com o Movimento 5 Estrelas (populista e anti-sistema) e a necessidade de eleições antecipadas o quanto antes.

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Esta intenção ficou entretanto ainda mais evidente nas declarações depois feitas pelo também ministro do Interior num comício em Pescara. É que com os trabalhos parlamentares interrompidos para férias, a censura só poderá ser debatida no Senado se os deputados e senadores regressarem ao trabalho.

As regras apontam para que a discussão parlamentar da moção comece somente a partir de 20 de agosto, mas a Liga quer já na segunda ou terça-feira.

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"Deputados e senadores, levantem o rabo e venham ao parlamento. A Liga estará na câmara [do parlamento] já a partir de segunda-feira", atirou Salvini que pede aos italianos que nas próximas eleições, para as quais a Liga concorrerá sozinha e não em coligação como em 2018, lhe deem "plenos poderes".

Salvini está a acelerar a crise política para aproveitar o bom momento da Liga nas sondagens (que apontam para uma clara vitória e para a possibilidade de maioria com o Irmão de Itália de Giorgia Meloni) e para não ter de esperar seis meses até que seja possível realizar um ato eleitoral antecipado se, em setembro, foi definitivamente aprovada a lei da redução de parlamentares proposta pelo 5 Estrelas.

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Já o outro vice-primeiro-ministro e líder do 5 Estrelas, Di Maio lamenta que a Liga tenha apanhado "os italianos desprevenidos" e insiste na redução do número de deputados e senadores.

"Antes das eleições, aprovemos a reforma que corta 345 parlamentares e depois estaremos prontos", sustenta. A 9 de setembro, data da reabertura do parlamento, está prevista a quarta e última votação ao diploma do 5 Estrelas.

Conte torna crise da maioria numa crise parlamentar

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"Já chega da narrativa do não, [Salvini] tem de vir ao parlamento explicar porque quer uma crise, o meu governo esteve sempre a trabalhar, não esteve na praia", atirou o primeiro-ministro sem filiação partidária.

"Não serei eu a demitir-me, a crise passa primeiro pelo parlamento", acrescentou Giuseppe Conte numa declaração em que nega a governamentalização da crise para lhe conferir um caráter eminentemente parlamentar.

Conte defende que Salvini terá de justificar aos italianos o porquê de "tão bruscamente" deitar por terra as "promessas de mudanças" feitas há um anos aos eleitores italianos.

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Como escreve Massimo Franco no Corriere della Sera, até que haja eleições, a guerra não será tanto entre os rivais Salvini e o outro vice-primeiro-ministro e líder do 5 Estrelas, Luigi Di Maio, mas entre o homem da Liga e Conte. Ou seja, Conte "comprou" a guerra aberta por Salvini.

Partidos vivem momentos distintos

Quando Conte ficar impossibilitado de governar por já não dispor de maioria no parlamento, terá de apresentar a demissão ao presidente italiano, Sergio Mattarella.

O presidente pode aceitar ou rejeitar e, neste segundo cenário, pode instar Conte a regressar ao parlamento para aferir as condições de governabilidade ou tentar mesmo promover um governo "presidencial".

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Aceitando a demissão de Conte, Mattarella pode sempre avaliar, mediante consultas aos partidos, se existe outra maioria de governo. Sem maioria alternativa, dissolve o parlamento e marca eleições entre 40 e 70 dias depois.

As sondagens coincidem ao colocar a Liga de Salvini como vencedor destacado, com votações sempre acima dos 35%. E corroboram votações robustas para o Irmãos de Itália (direita radical), permitindo que, juntos, os dois partidos tenham maioria.

Já o 5 Estrelas surge atrás de um PD (centro-esquerda) fortemente dividido e que poderá ver o seu ex-líder e antigo primeiro-ministro, Matteo Renzi, sair para formar um novo partido. Quanto ao Força Itália de Silvio Berlusconi, está atrás da Liga e arrisca mesmo ficar aquém do partido de Meloni.

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Roberto Zingaretti, atual líder do PD, defende que este é o momento de o partido se "unir contra a direita" e afasta qualquer hipótese de coligação com o 5 Estrelas, exclusão que, a manter-se e tendo em conta as sondagens, afasta qualquer destes partidos do poder.

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