Pedro Passos Coelho 02 de Setembro de 2009 às 12:47

Vale a pena

O nervosismo pré-eleitoral não tem ajudado à clarificação política. E, na ausência de sondagens que ajudem os partidos a tomar o pulso aos eleitores e a afinar melhor as suas estratégias, os apoiantes encartados ou os simples analistas têm-se ocupado a especular sobre as mais variadas teorias onde vão espraiando o seu construtivismo governativo.

O nervosismo pré-eleitoral não tem ajudado à clarificação política. E, na ausência de sondagens que ajudem os partidos a tomar o pulso aos eleitores e a afinar melhor as suas estratégias, os apoiantes encartados ou os simples analistas têm-se ocupado a especular sobre as mais variadas teorias onde vão espraiando o seu construtivismo governativo.

Como pano de fundo, predomina a ideia de que ninguém terá um resultado muito expressivo, muito menos uma maioria absoluta - os socialistas porque desmereceram tal resultado nestes últimos quatro anos de governo e os social-democratas porque podem ainda não o ter merecido na oposição.

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Assim, tem-se vindo a antecipar o cenário de uma legislatura, se não incompleta pelo menos acidentada, e em que, à esquerda e à direita do espectro parlamentar, os que insistirem em governar sozinhos terão a vida difícil e pouco acrescentarão em actividade reformadora por exiguidade de apoio parlamentar, enquanto os que se coligarem poderão ter de enfrentar tensões de difícil solução dada a divergência profunda de opiniões, programas ou personalidades. Em suma, não reina o optimismo quanto à capacidade do Parlamento que sair das próximas eleições legislativas para gerar soluções estáveis e profícuas.

Percebe-se que, neste ambiente algo depressivo, se tenha reaberto a discussão sobre políticas de alianças - e, no caso do PSD, lá vai voltando à baila ora a teoria do Bloco Central ora a eventualidade de uma coligação com o CDS-PP. Tenho-me geralmente batido contra estes exercícios pela razão prática de que eles acentuam um certo conformismo com a eventualidade de resultados minimalistas e creio que essa mera circunstância reforça a possibilidade de tais resultados ocorrerem.

Ora, quando se tem a ambição de alcançar um nível mais elevado de confiança por parte do eleitorado, envolvendo um importante compromisso de governo, não se pode perder demasiado tempo especulando sobre o que se fará no caso de essa confiança não ser conquistada. Ou se pressente que as pessoas têm razões para limitar o voto de confiança num determinado partido, e então procura-se em tempo útil ampliar as possibilidades de sucesso apresentando uma coligação pré-eleitoral, coisa que o PSD não fez e ainda bem, ou simplesmente não se perde tempo a discutir o que fazer com um resultado menos mau quando o que se pretende é um resultado bom que permita governar.

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Há, no entanto, uma ideia que tem vindo a germinar em determinados meios do PSD e que merece ser analisada. É a ideia, talvez um tanto romântica, de que o PSD pode repetir nestas eleições o sucedido em 1985 com Cavaco Silva, ou seja, na eventualidade de ganhar as eleições com uma margem escassa, vir o PSD a formar um governo minoritário que prepare o terreno para ganhar a maioria absoluta no prazo de dois anos.

Considero esta ideia fantasista e falaciosa e, nessa medida, julgo que ela pode ser mais prejudicial que útil em vésperas de campanha eleitoral. Aqui seguem algumas razões explicativas mais evidentes.

Em primeiro lugar, a situação económica que vivemos hoje é muito diferente da de 1985. Há quase 25 anos atrás o país começava lentamente a sair de uma crise económica e social muito dura, que tinha implicado uma perda acentuada do rendimento real e um forte desemprego. Hoje, infelizmente, ainda estamos longe da recuperação. Pelo contrário, continuamos o mergulho numa crise que se prevê prolongada, estando ainda para vir, em grande medida, todo o recorte de aspectos negativos que causam depressão social e política e que desgastam quem está no governo.

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Em segundo lugar, em 1985, as medidas difíceis e duras de combate à crise estavam tomadas, ou seja, o "trabalho sujo" de governo já tinha ficado feito por Hernani Lopes no seio do anterior Bloco Central. Hoje, infelizmente, receio bem que tudo o que é difícil e impopular esteja por fazer, a começar na ausência de medidas que sustentem umas finanças públicas saudáveis e a acabar na indefinição quanto a uma nova estratégia económica que relance um tecido produtivo mais dinâmico e competitivo, gerador de riqueza e de emprego mais qualificado.

Em terceiro lugar, e ao contrário do que acontecia em 1985, actualmente o governo não dispõe de autonomia em matéria de política monetária e cambial. Quer isto dizer que o governo português já não tem à sua disposição o mesmo tipo de instrumentos e ferramentas que permitiriam, num relativo curto espaço de tempo (dois a três anos) aplicar a mesma receita de então com idêntico grau de eficácia.

Ou seja, em vez de desvalorizar a moeda para melhorar a competitividade externa ou reduzir o crédito para contrair o consumo e o défice externo, hoje podemos apenas aumentar impostos, cortar e "congelar" despesa pública ou desenvolver políticas de ganhos de eficiência nas políticas públicas mais pesadas visando diminuir o défice e encetar reformas que permitam aumentar a produtividade.

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Mas, dadas as condições de partida, os resultados destas políticas nos primeiros anos serão escassos, insuficientes e demorados e certamente não empolgarão o país em direcção à maioria absoluta. Por outro lado, a hipotética vitimização governativa como resposta a uma improvável inviabilização de tais medidas por parte de um parlamento hostil seria uma táctica de sucesso bastante duvidoso, pois não evitaria ter de acomodar durante dois anos a insatisfação gerada por uma crise tão profunda.

Por fim, e em termos políticos, poderá dizer-se que entre o actual Presidente da República e a presumível primeiro-ministro do PSD existe alguma simpatia política que facilitaria a vida do governo minoritário, como entre Ramalho Eanes e Cavaco Silva em 1985. Mas, ao contrário de então, isso pode significar agora muito pouco na ausência de um instrumento útil como foi o PRD em 1985.

E, hoje, o Bloco de Esquerda não só não tem o significado operacional do PRD face ao PS, como seguramente não funciona em cumplicidade com o Presidente da República.

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Em conclusão, por muitos motivos pode até acontecer que o PSD venha a governar sozinho e com um resultado escasso - e, nesse caso, fará seguramente o melhor que puder e souber durante o tempo que lhe consentirem.

Mas, deixemo-nos de romantismos serôdios, tal situação não tem nada de muito desejável nem de particularmente virtuoso, quer para o PSD quer para o país. Insisto, portanto, que é necessário lutar por um resultado mais largo, cabendo a quem disputa as eleições encontrar o tempo e o modo apropriado de confrontar o país com a necessidade de um tal resultado dever ser atingido. Para não haver dúvidas sobre o caminho a seguir nem sobre a vontade de mudança do país.

Assim o PSD consiga transmitir ao eleitorado a confiança de que este precisa para sentir que vale a pena. Eu ainda acredito que vale a pena.

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Militante do PSD e gestor

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