A oportunidade que se perde nas reorganizações
O actual período de turbulência económica representa para as empresas uma excelente oportunidade de fortalecer de maneira duradoura o que há de mais fundamental num modelo organizativo: a eficácia na tomada de decisões.
Não são poucas as empresas que desde o início da crise já anunciaram por todo o mundo ambiciosos programas de reorganização (grande parte deles, infelizmente, envolvendo um número massivo de despedimentos), sendo o efeito imediato de redução de custos o principal elemento motivador dessas iniciativas.
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Mas a grande oportunidade desperdiçada nesses programas é, no entanto, a de fazer com que o modelo organizativo resultante se torne mais alinhado com a orientação estratégica da empresa e que, acima de tudo, ele esteja apoiado não só num novo organigrama piramidal menos denso, mas também por uma série de princípios, responsabilidades, processos, ferramentas e comportamentos que permitam a execução dessa orientação estratégica. E o conceito crucial à volta do qual todos esses elementos giram é a eficácia das decisões.
Apesar de algo teórico, é útil equacionar o output das decisões de uma empresa com as seguintes variáveis: qualidade, rapidez, aproveitamento e esforço. As decisões acertadas, tomadas rapidamente, executadas correctamente e que não exigiram grandes sacrifícios (de política interna, por exemplo), são as que mais "rentabilidade" têm.
Há algum tempo a Bain realizou um estudo global, envolvendo mais de 700 organizações, em que, através de um híbrido de questionários detalhados e análises de desempenho financeiro, demonstrou a alta correlação entre rentabilidade e a qualidade do sistema de decisões. Em geração de valor para os accionistas, por exemplo, a diferença é de mais de 50% para as organizações classificadas como tendo um sistema de decisões com um elevado grau de eficácia.
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A questão prática que se segue é, então, a de como desenhar um modelo organizativo que optimize a qualidade das decisões de negócio do dia-a-dia. Há três passos fundamentais a seguir: o primeiro, é identificar as decisões críticas para a geração de valor da empresa; o segundo, é definir as alternativas mais viáveis para a estrutura organizativa; e finalmente, o terceiro, é determinar o modelo de decisões adequado.
O primeiro passo requer um diagnóstico sobre o posicionamento estratégico da empresa e uma reflexão sobre os aspectos que realmente têm um impacto sobre o seu desempenho financeiro.
No caso de uma empresa de distribuição, como a Jerónimo Martins, por exemplo, estes poderiam ser a localização dos pontos de venda, a política da selecção de referências para cada categoria, o peso da marca branca nas prateleiras, entre outros. Já no caso da Sumolis-Compal, estes poderiam incluir aspectos como as campanhas publicitárias e os novos produtos lançados no mercado. O resultado do exercício deveria ser um mapa com as 30 ou 40 principais decisões que a empresa tem de tomar periodicamente que têm um alto impacto sobre os seus resultados. Aqui, é importante salientar que não são somente decisões estratégicas que devem ser identificadas: decisões que podem parecer de menor impacto, mas que são tomadas com uma frequência muito grande (como o desconto comercial a oferecer a um cliente, por exemplo), podem ser tão importantes como decisões de natureza mais estratégica.
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Quando se passa à avaliação das estruturas alternativas (ou seja, os organigramas), o importante é avaliar em que dimensão aquelas decisões mais importantes devem ser tomadas: a nível regional, a nível de um segmento de clientes, de um canal de vendas ou simplesmente a nível funcional. É preciso admitir que este é o passo que requer mais arte no processo: apesar de, em cada sector, existir uma estrutura mais razoável do que outras (e.g. em bens de consumo, organizações por produto e na banca, por segmento de cliente), não há uma única resposta correcta, e é por isso que se devem criar alternativas.
O terceiro passo dever ser o desenho do modelo de decisões. Há vários elementos que devem ser considerados neste modelo, mas talvez um dos mais importantes e úteis é a distribuição dos papéis e responsabilidades na tomada de decisões. Para cada uma das decisões críticas anteriormente identificadas, deixa-se bem claro de quem é a responsabilidade de formular uma recomendação, a quem serão pedidas as opiniões para se chegar a essa recomendação, quem tem o poder de decisão final, se há algum direito de veto e quem o deve ter e, finalmente, quem na organização deve executar a decisão. Se em qualquer empresa portuguesa hoje em dia perguntarmos aos departamentos de marketing e de vendas separadamente quem decide os preços finais, há uma boa probabilidade de que haja uma discordância entre as respostas.
Esse é um sintoma comum da falta de clareza num sistema de decisões. Mas a vantagem em realizar-se esse exercício não está só em deixar essas responsabilidades claras para todos, evitando conflitos desnecessários. Esse processo também ajuda a que se distribua as responsabilidades mais apropriadas às pessoas mais apropriadas para as desempenhar.
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Para além da distribuição de responsabilidades, em cada uma das decisões críticas é útil definir à partida quais são os critérios utilizados para a tomada da decisão e que análises ou informações são necessárias para a formulação da recomendação.
É após este passo que se decide a alternativa de estrutura mais adequada. O processo deve ser, afinal, interactivo. À medida que se vai definindo o modelo de decisões, vai-se analisando as alternativas que mais se encaixam no mesmo.
O resultado final desse exercício muito provavelmente acabará por ser uma estrutura diferente da inicial, com responsabilidades distribuídas de outra forma e com novos processos de interacção entre pessoas e áreas organizacionais. Em muitos casos, acaba-se por ajustar o tamanho da organização e gerar eficiências. Mas acima de tudo, as empresas devem procurar que esse exercício resulte numa organização mais fortalecida e que maximize o valor e eficácia das suas decisões, transformando, assim, uma iniciativa meramente de resposta à crise num programa que pode dramaticamente alterar a sua posição competitiva.
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