Natália Cantarino 20 de Dezembro de 2025 às 12:00

As luzes que ficam depois do Natal

A responsabilidade institucional nem sempre exige explicação: exige consistência.

Na semana que precede o Natal, o edifício encontrava-se quase vazio. As luzes mantinham-se acesas por rotina, não por necessidade; um detalhe aparentemente irrelevante, mas que revelava mais do que se podia imaginar. No exterior, a cidade encontrava-se iluminada, cheia, coerente com a época festiva. No interior, o ambiente era silencioso, funcional, suspenso entre o encerramento do ano e a antecipação do próximo.

Sentada à secretária, ela revia documentos que não voltariam a ser discutidos antes de janeiro: relatórios de impacto, metas de médio prazo, compromissos assumidos em fóruns e reuniões que raramente coincidiam com o ritmo das decisões quotidianas. O Natal surgia, como sempre, como um marco simbólico, mais associado à comunicação e à pausa formal do que a uma interrupção efetiva dos processos.

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Havia ainda uma decisão pendente. Não se tratava de uma situação crítica nem de um momento particularmente visível. Era, antes de tudo, uma escolha técnica: avançar com um projeto eficiente no curto prazo ou adiar a sua implementação para garantir alinhamento com princípios de sustentabilidade e de criação de valor no longo prazo. Não existia nenhuma pressão explícita. O silêncio institucional oferecia margem para a decisão mais simples. E era precisamente isso que tornava a escolha relevante.

Sabia que a opção mais responsável não produziria resultados imediatos nem justificaria comunicação externa. Não seria associada a inovação, nem reconhecida como uma prática inspiradora. Ainda assim, teria impacto; não apenas no projeto em causa, mas na coerência entre o discurso e a prática organizacional. Mas iria demorar para qualquer um poder ver estes resultados.

Ao preparar-se para sair, percorreu corredores vazios e desligou luzes de salas sem utilização. Um gesto pequeno, rotineiro. Talvez até irrelevante. Mas tinha consigo um pensamento que não conseguia calar: que, a responsabilidade, na maioria das organizações, se manifesta exatamente dessa forma, em decisões técnicas, na sua maioria pequena, mas cumulativas, tomadas quando não existe incentivo reputacional nem urgência externa.

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No átrio, encontrou um colega a encerrar atividades pendentes. Trocaram cumprimentos breves e formais. No entanto, podia sentir no semblante dele uma certa paz, a mesma que ela própria sentia nesta época do ano. Apesar de saber que o trabalho nem sempre consegue respeitar os encerramentos sugeridos pelo calendário, o momento simbólico de fim de ano trazia consigo uma sensação única de reflexão, que transbordava no trabalho de todos.

Decidiu regressar ao computador. Ajustou o plano, reviu os critérios, adiou a decisão final. Deixou uma nota objetiva para retoma futura. Não procurou justificar excessivamente a escolha. A responsabilidade institucional nem sempre exige explicação: exige consistência. Estava satisfeita com a decisão tomada.

No exterior, a cidade mantinha o seu ritmo, engolfada pelo ar frio. As luzes continuavam acesas, brilhantes. O Natal aproximava-se como um ritual coletivo, um momento de reflexão partilhada e de decisões silenciosas, que permaneciam invisíveis, mas que iriam guiar a história do ano seguinte. Eram, afinal, essas decisões, tomadas fora do foco, sem celebração, que continuariam a moldar o impacto da organização muito depois de a época festiva terminar.

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Decidiu que era momento de deixar as responsabilidades institucionais para breve. Tinha tempo. Podia ir para casa celebrar junto da sua família. Quando voltasse, continuaria a trabalhar, sem grandes alardes, de forma alinhada com os valores que partilhava com a sua equipa: colaboração, cocriação e construção positiva. Sabia que, juntos, continuariam a criar uma narrativa que, como um longo livro, se desenvolve aos poucos, tornando-se parte das ideias de quem lê, reflete e segue assimilando a história e os seus resultados ao longo do tempo, de forma consistente — ou, melhor dizendo, sustentável.

Olhou para o edifício, agora com bem menos luzes acesas. Sorriu para si mesma, sabendo que, quando voltasse após o período festivo, regressaria para encerrar o projeto à luz das mesmas decisões silenciosas — as luzes que ficam depois do Natal.

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