Paul Seabright 20 de Agosto de 2010 às 11:07

As falsas lições da história financeira

Se a história castiga os que não conseguem aprender com ela, a história financeira castiga com uma reviravolta sádica

Se a história castiga os que não conseguem aprender com ela, a história financeira castiga com uma reviravolta sádica - também castiga os que aprenderam com ela de forma demasiado entusiasta. Várias vezes as crises financeiras reflectiram a fraqueza dos sistemas de regulação criados através das lições aprendidas nas anteriores crises. A actual crise não é uma excepção; e nem será a próxima.

O sistema de regulação financeira do pós-Guerra foi criada com base em três alegadas lições dos anos 30. Em primeiro lugar pensámos que a primeira razão para a queda dos bancos era o pânico dos depositantes, e não que a principal razão para o pânico dos depositante fosse o facto dos bancos estarem em perigo de falir.

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Tal como a crença de que fugir dos leões a correr vai levá-los a atacar-nos, existe algo de verdade na teoria de que os bancos caem porque os depositantes entram em pânico. Mas é uma parte muito pequena e o depositante médio, tal como o turista médio numa reserva de animais, não deveria acreditar nela. De facto, muitas situações de pânico acontecem por boas razões. Mesmo nos anos 30, muitos dos bancos faliram devido a má gestão e a actividades ilegais. O mesmo acontece actualmente.

Em segundo lugar pensamos que os depositantes que tendem a entrar em pânico são sempre os pequenos depositantes - famílias e pequenas empresas - em vez de grandes empresas ou investidores profissionais. Sabemos agora que isso é errado, mas nunca houve nenhuma razão séria para acreditar nisso.

Se grandes empresas (ou outros bancos) tiverem depósitos que esperam levantar no curto prazo, e se souberem que não os podem levantar todos ao mesmo tempo, então a suspeita de que o banco possa falir dá-lhes tantas razões para correrem aos depósitos como as famílias. Se a queda de um banco reflecte, normalmente, problemas reais subjacentes, é de esperar que os investidores profissionais reajam mais rapidamente assim que surja um ligeiro sinal de pânico.

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Os empréstimos inter-bancários, bem como os depósitos colocados por grandes empresas, aumentam de forma espectacular, nos anos que antecedem a crise. Isto é particularmente verdade nos mercados de recompra, que prestam os serviços equivalentes a investidores profissionais - bancos e grandes empresas - que os depósitos normais prestam aos clientes individuais e às pequenas empresas.

Até serem adoptadas as reformas financeiras, este sistema bancário "sombra" operava fora do regime de regulação aplicado aos bancos que recebiam os depósitos tradicionais. De facto, o sistema bancário "sombra" não teria crescido tão rapidamente se esse regime não tivesse sido desenvolvido com as aparentes lições dos anos 30. Mas a queda do sistema sombra após o colapso do Lehman Brothers não deixou de ser uma corrida aos depósitos só porque estavam envolvidos investidores profissionais. Neste caso, e ao contrário do que aconteceu nos anos 30, os bancos deixaram de confiar uns nos outros antes de o resto das pessoas perceberem que era tempo de deixar de confiar nos bancos.

Terceira falsa lição: se mantivéssemos a confiança no sistema financeiro (e consequentemente no sistema económico), o sistema conseguiria sobreviver e prosperar. Assim haveria um alarme real entre os decisores políticos sempre que a confiança pudesse estar ameaçada (tal como aconteceu com a bolha tecnológica no final do anos 90). A bolha tecnológica não representou uma ameaça ao sistema bancário mas sim à procura agregada. Mas poucas pessoas se atrevem a colocar questões difíceis quando a confiança regressa, como quando a bolha imobiliária começou a surgir nos escombros do colapso das acções tecnológicas.

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A ideia de que algo que inspira confiança pudesse criar perigo para o sistema bancário era demasiado estranha para ser credível. A lição de que medidas destinadas a criar confiança impediram o "crash" de 2000 foi precisamente a lição que o sistema financeiro não precisava de aprender.

Porque é que acreditamos na ideia de que podíamos ficar todos mais ricos vendendo uns aos outros activos e casas com preços excessivos? Fomos colectivamente irracionais mas isso não é uma explicação. Precisamos de saber porque é que algumas formas de irracionalidade colectiva ganham maior força do que outras.

Uma pista intrigante chega da pesquisa em neurociência que explica porque é impossível fazer cócegas a si mesmo. Aparentemente, as cócegas são causadas por sensações inesperadas em certas áreas da pele. Como o cérebro de uma pessoa que tenta fazer cócegas a si própria antecipa as sensações que vão ser causadas pelos seus dedos - um processo que ocorre no cerebelo - deixa de sentir cócegas.

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Pode, no entanto, conseguir fazer cócegas a si próprio através de um intermediário - uma máquina, por exemplo, que transforma os movimentos dos dedos em sensações na pele através de método suficientemente indirecto para que o cerebelo não o consiga antecipar. Apesar da parte consciente do nosso cérebro saber que as cócegas são feitas por si e não serem "verdadeiramente" inesperadas, o cerebelo não entende isso e as cócegas funcionam.

Fazer cócegas a si próprio é tão fútil como tentar ficar rico passando um cheque a si próprio - ou vendendo a si mesmo a sua casa pelo dobro do actual preço do mercado. A situação não melhora se tentar trocar cheques com um amigo ou se venderem as vossas casas um ao outro.

Durante alguns anos conseguimos iludir a parte do nosso cérebro que nos diz que não podemos fazer cócegas a nós próprios para ficarmos mais ricos. Possivelmente, os cidadãos comuns sempre souberam que quando vendem as suas casas para obter benefícios reais, estão, em última instância, a obter lucros à custa de outra pessoa. Só os economistas, que estudaram as lições das crises anteriores, é que tinham a ideia de que ninguém perderia.

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Actualmente, os decisores políticos, baseando-se na experiência dos anos 30, parecem acreditar que criar confiança é diferente de criar boas razões para estar confiante. Os recentes testes de stress dos bancos europeus foram manifestamente criados como uma medida de confiança em vez de uma exploração genuína de possíveis fraquezas sistémicas, não incluindo, por exemplo, a possibilidade de incumprimento da dívida soberana grega.

Isso, como é óbvio, é como testar os extintores de nossa casa contra os ladrões. Os resultados positivos só irão convencer os que aprenderam bem as lições dos anos 30 - e depois não conseguiram esquecê-las.

Paul Seabright ensina Economia na Toulouse School of Economics. É autor do livro "The Company of Strangers: A Natural History of Economic Life".

© Project Syndicate, 2010.

www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Luísa Marques

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