João Borges de Assunção jba@ucp.pt 08 de Abril de 2013 às 00:50

Lidar com a adversidade

A maioria das pessoas tende a fazer previsões bastante enviesadas das suas próprias emoções. Por exemplo, a excitação da antecipação de uma festa é normalmente muito maior do que emoção efetiva sentida durante a festa.

O ambiente geral em Portugal é bastante negativo e tenso. Essa negatividade ocorre nos espaços públicos, profissionais e da esfera da vida privada. Neste sentido permeiam a sociedade no seu todo.

Numa primeira avaliação sempre me pareceu que este ambiente negativo seria uma consequência mais ou menos inevitável da dimensão significativa dos ajustamentos orçamentais em curso e das perdas concretas que isso traria para milhões de pessoas individuais. De certa forma, eu estava emocionalmente preparado para este ambiente negativo. Embora a forma concreta e específica como ele se materializa no dia-a-dia continua a ser para mim motivo de grande surpresa.

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A literatura em psicologia tem um nome para este fenómeno da antecipação das emoções: "previsão afetiva". A ideia da previsão afetiva é que as pessoas formam previsões sob a forma como se irão sentir em função de determinados eventos como ir ver um filme, ir de férias ou fazer um exame médico. Se a experiência for apenas ligeiramente discrepante com as expectativas emocionais iniciais as pessoas tendem a ter a emoção que anteciparam, mas até de forma mais rápida tendo em conta a sua preparação. Pequenas diferenças face às expetativas são facilmente assimiladas e tendem a gerar a emoção antecipada. Por exemplo, pequenas contrariedades durante uma viagem raramente impedem as emoções de diversão, descoberta, mudança e aventura que acompanham a antecipação da viagem.

Porém, se a experiência tiver uma grande discrepância com o que foi antecipado as pessoas tendem a ter dificuldade em avaliar a qualidade da sua experiência e se estão a gostar dela ou não. Mesmo se as novidades não antecipadas tiverem elementos que a pessoa poderia avaliar favoravelmente. Isso explica porque é tão difícil satisfazer os fãs quando um concerto é cancelado devido a mau tempo ou a doença de elementos da banda. Eles anteciparam emocionalmente o prazer do concerto e qualquer substituição por mais genuína e favorável que seja será interpretada como uma fraude.

Estes efeitos são conhecidos da maioria das pessoas e todos já os sentimos de uma forma ou de outra.

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Mas há mais. A maioria das pessoas tende a fazer previsões bastante enviesadas das suas próprias emoções. Por exemplo, a excitação da antecipação de uma festa é normalmente muito maior do que a emoção efetiva sentida durante a festa, ou mesmo a de que nos lembramos ter tido depois da festa.

Os efeitos são ainda mais severos para emoções negativas. Por exemplo, as pessoas tendem a sobrestimar emocionalmente o impacto de acontecimentos negativos, como as más notas nos exames, as separações conjugais, os resultados de jogos de futebol, os resultados eleitorais, as entrevistas de emprego negativas, as promoções não obtidas, ou mesmo o despedimento. Isso não significa que cada um dos acontecimentos não dê origem a emoções negativas. Mas que as pessoas tendem a prever emoções ainda mais negativas do que as que vão sentir.

Para além da miríade de explicações que podem justificar este enviesamento na previsão afetiva sobressai o negligenciar do sistema emocional auto-regulatório que ajuda a maior parte das pessoas a lidar com as adversidades e contrariedades que a vida coloca a todos e a cada um.

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Em particular as pessoas tendem a sobrestimar o impacto que determinados eventos passados tiveram na sua vida. E tendem ainda a focar mais a sua atenção em eventos que tiveram consequências emocionais desagradáveis ou negativas. A combinação destes dois efeitos dá a origem a um enviesamento sobre a própria previsão da duração do período em que as emoções são negativas. As pessoas tendem a prever que duram mais tempo do que na realidade acabam por durar.

Fui procurar nos meus livros de psicologia (Social Cognition, 2008, de Susan Fiske e Shelley Taylor) alguma explicação para o ambiente que sinto na sociedade portuguesa. E é com esse objetivo que partilho algum do seu conteúdo com os leitores.

A principal vantagem é que tornam naturais e humanas as reações emocionais, por vezes exageradas, que observamos um pouco por todo o lado. Hesito até em recomendar qualquer estratégia de mitigação dos enviesamentos emocionais descritos. Já que esses enviesamentos integram eles próprios o nosso sistema auto-regulatório.

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Porém, os responsáveis políticos e económicos devem estar conscientes da existência destes fenómenos emocionais, que são objeto de ensino e estudo nas universidades portuguesas, e proteger as instituições onde têm responsabilidades de tomar decisões com base nas suas próprias emoções individuais, ou no aparente consenso emocional observado conjunturalmente na sociedade.

Professor

Católica Lisbon School of Business & Economics

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Universidade Católica Portuguesa

jba@clsbe.lisboa.ucp.pt

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Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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