Novo futuro para o emprego
Os números recentemente divulgados sobre o desemprego são assustadores e mesmo dramáticos: de Abril a esta parte teremos atingido, muito provavelmente, mais de meio milhão de portugueses desempregados, resultado de grandeza só comparável com o registado na crise de 83/84 que envolveu o segundo e mais duro acordo com o Fundo Monetário Internacional.
Mas estes números não são, infelizmente, surpreendentes. E não só por culpa da crise económica global. Convém ter presente que o ritmo de crescimento da taxa de desemprego estará seguramente a ser impulsionado pela crise actual mas reflecte também uma tendência antiga, indissociável do desempenho medíocre da nossa economia ao longo da última década e relacionado ainda com a fragilidade crescente do nosso tecido produtivo. A compreensão deste facto é muito importante para termos noção de quais as respostas que necessitamos de encontrar para ultrapassar esta situação.
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É provável que o governo tenha relutância em aceitar estas observações, já que do lado socialista se persiste em defender a tese de que, no essencial, as desgraças que vivemos hoje são importadas do exterior. Mas esta tese esbarra com a realidade e até com os argumentos invocados pelo próprio governo ao longo destes últimos meses. Ainda em Dezembro passado, quando o orçamento de Estado para 2009 foi aprovado, os responsáveis do governo insistiam na ideia de que o desemprego e a crise não seriam tão graves como se vieram a revelar, dado que, segundo eles, Portugal resistia melhor à crise do que os outros parceiros porque tinha feito um bom trabalho de casa. Afinal, menos de cinco meses depois, parece que estamos a resistir pior que a média dos parceiros europeus e a forma como, em tão pouco tempo, muitas empresas deixaram de ter condições para manter a porta aberta ajuda-nos a concluir que a situação de partida só podia ser bem mais precária do que o governo nos queria fazer crer e que o nosso trabalho de casa não tinha sido o mais adequado.
Há, certamente, uma parte do emprego que está a ser destruída em resultado combinado da forte redução da procura de bens e serviços por parte dos consumidores (internos e externos) e da simples dificuldade de acesso ao financiamento por parte das empresas, sobretudo em consequência do aumento das restrições ao crédito praticado na generalidade dos bancos. Este resultado combinado apanhou fortemente as empresas mais frágeis que sempre estariam condenadas a desaparecer, mas apanhou também muitas empresas robustas que não evidenciavam qualquer problema financeiro ou económico até há um ano atrás. Para as primeiras não parece que haja ou deva haver grande salvação, mas para as segundas ainda estamos longe de encontrar as respostas expeditas que poderíamos ter, nomeadamente ao nível da situação financeira que pode ser melhorada através da criação de mecanismos alternativos de acesso à liquidez (como é o caso, por exemplo, do fundo de emergência de apoio às empresas com garantia do Estado, como já defendi) e de se proceder ao desonerar de encargos com certas contribuições e impostos.
Porém, há uma outra parte de destruição de emprego que nos tem acompanhado em toda esta década que é resultante de problemas endémicos e que, infelizmente, corresponde a um processo imperfeito de ajustamento estrutural da economia, ou seja, traduz um processo em que emprego em sectores menos competitivos e menos modernos desaparece sem estar a ser substituído por criação de novo emprego, em sectores de melhores qualificações e maior valor acrescentado. Ao invés, a generalidade do emprego débil que vem sendo criado nos últimos anos reflecte a persistência de um modelo que ainda prefere as baixas qualificações e remunerações, além da precariedade.
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Ora, um processo de ajustamento estrutural menos imperfeito terá de levar em conta as duas realidades, a endémica e a global. Quanto à primeira, já nestas páginas se defendeu um caminho alternativo ao que vem sendo seguido e que implica a reforma do Estado e das principais políticas públicas, com destaque para a educação, saúde e justiça, o reposicionamento do peso da despesa pública com diminuição da factura fiscal junto das pessoas e das empresas e o claro incentivo à redução do endividamento externo. Mas agora há que, rapidamente, ter em atenção também as mudanças profundas que a actual crise pode trazer em matéria de escolhas quer do lado da procura quer sobretudo do lado da oferta.
Percebe-se que, no sair da crise, o panorama geral será muito diferente do que vigorou por longos anos. As restrições do lado dos recursos naturais e energéticos e o reequilíbrio do mercado global com o crescente peso de países como a China, a Índia e o Brasil são condições que imporão, entre outros vectores de mudança, alterações decisivas nos aparelhos produtivos e na distribuição da riqueza em todo o mundo. Quem melhor e mais cedo tiver a percepção do sentido destas mudanças melhor colocado estará para vencer. No nosso caso com importância redobrada porque, para diminuir a diferença de empobrecimento que vimos alargando para a média dos nossos parceiros europeus, teremos de nos antecipar nesse jogo e apostar em crescer mais fortemente do que eles num novo quadro que ainda não se conhece bem. Um novo futuro para o emprego é, pois, necessário mas terá ser encontrado para além da crise actual e apesar das nossas fraquezas estruturais. Deveríamos, pois, dedicar mais tempo à procura das novas tendências do que a saber quem tem a culpa da desgraça.
Militante do PSD, gestor
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