Os sinais do Dia da Libertação dos Impostos
É esta a conclusão do já habitual estudo anual elaborado pelo Gabinete de Análise Económica da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa para a Associação Industrial Portuguesa, intitulado “Dia de Libertação de Impostos” (DLI), e cuja edição de 2008 foi disponibilizada na semana passada.
Mas se esta notícia é positiva – na medida em o leitor sabe que, pagos todos os impostos com o rendimento do seu trabalho até 18 de Maio, a partir daí tudo o que ganhar até ao final do ano é para si –, ela é mesmo a única boa notícia que nos é dada neste relatório. Que vem no sentido das ideias que há muito venho defendendo em matéria fiscal e de contas públicas. Vejamos.
PUB
Em 2008, o DLI é em 19 de Maio: mais um dia do que em 2007, mais três do que em 2006, mais seis do que em 2005, mais 10 do que em 2004 e mais 12 (!) do que em 2003. Quer dizer: nos últimos cinco anos, em média, cada um de nós andou a trabalhar cada vez mais dias para satisfazer as suas obrigações fiscais – e, portanto, o nosso rendimento disponível tem vindo a decrescer.
Intimamente ligada a esta evolução encontra-se a do “Dia de Libertação do Sector Público” (DLSP), também calculada no citado estudo. E, em 2008, o DLSP será 17 de Junho – isto é, os portugueses irão trabalhar até 16 de Junho, ou 168 dias (!), para pagar a totalidade do Sector Público. O que representa mais um dia do que em 2007, menos dois dias do que em 2006 e menos sete dias do que em 2005 – mas significa mais dois dias do que em 2003.
E assim, tomando a diferença entre os dois conceitos, podemos concluir que este défice (o DLSP acontece mais tarde no ano do que o DLI?) se manteve em 2008 face a 2007 (29 dias), tendo sido reduzido face a 2006 (34 dias), e a 2005 (42 dias). Mas em 2004 essa diferença era de 41 dias e, em 2003, de 39 dias.
PUB
Ora, em meu entender, a grande virtude deste relatório é tornar mais perceptíveis duas questões fundamentais para a nossa economia, descodificando-as temporalmente: o tempo do ano em que os rendimentos dos portugueses são canalizados quer para pagar impostos, quer para sustentar o sector público tem a ver com a carga fiscal e com o peso do Estado na economia, respectivamente.
Assim, a carga fiscal tem subido ininterruptamente desde 2003; o peso do Estado na economia (despesa pública), depois de algum progresso entre 2005 e 2007 (e, mesmo assim, 2007 tem um DLSP maior do que em 2003?), eis que em 2008, em vez de progressos temos? uma regressão (o DLSP aumenta um dia face ao ano passado).
Na prática, o estudo divulgado na semana passada é bem ilustrativo da evolução das nossas contas públicas. E a conclusão nele contida é clara: “Tomando a evolução conjunta, nos últimos anos, do DLI (impostos) e DLSP (despesa pública), é possível constatar os progressos obtidos na consolidação orçamental, conseguidos, todavia, predominantemente do lado das receitas. Com efeito, enquanto o DLI subiu sustentadamente (?), totalizando um aumento de 11 dias de 2004 a 2007, o DLSP, nesse mesmo período, apenas diminuiu (num total de oito dias) em dois anos. O aumento do DLI (?), conjugado com a diminuição do DLSP em 2006 e 2007, permitiu uma significativa redução do défice orçamental nos últimos dois anos.” Logo, em 2008, a evolução conjugada do DLI (mais um dia) com a do DLSP (mais um dia), evidencia “alguma estagnação nos progressos obtidos em matéria de consolidação orçamental.”
PUB
No fundo, o que este relatório conclui é que a velha receita da subida da carga fiscal para ganhar tempo na reestruturação e redução da despesa pública – que em Portugal é excessiva, sobretudo ao nível dos gastos correntes – não tem obtido os resultados desejáveis. O défice tem sido reduzido predominantemente do lado das receitas – uma estratégia errada, não sustentável e? “irresponsável” – porque tem resultado em aumentar impostos e gastar mais, ultrapassando, inclusive, ano após ano, os limites de despesa inicialmente previstos. Para alterar este estado de coisas, não há volta a dar: como já tantas vezes tenho escrito no passado, é necessária e urgente uma actuação devidamente estruturada e calendarizada na área fiscal que não só promova a competitividade de Portugal como, em consonância com um plano de combate ao excesso de despesa do Estado – em particular, das despesas de funcionamento –, garanta os objectivos orçamentais (leia-se, a redução do défice).
Só desta forma poderá ser prosseguida uma cultura de gastos públicos mais rigorosa e menos facilitista – que o País precisa e não tem tido. Trata-se, no fundo, de optar por uma estratégia virtuosa, “responsável” e desejável que é baixar impostos e consolidar as contas públicas.
Que os sinais da evolução do DLI (e também do DLSP) ajudem a mudar o statu quo existente em Portugal nesta matéria – e todos sairemos a ganhar.
PUB
Mais lidas
O Negócios recomenda