Uma escolha entre dois caminhos
Depois de deixar poisar toda a poeira que paira em torno das alterações climáticas, julgo que nos sobram duas atitudes. São atitudes poderosas, dado o facto de toda a opção conter em si uma força profética, que condiciona e molda parte da substância em que o futuro se tornará realidade.A primeira atitude é a da prostração e do esmagamento. Numa entrevista recente, o grande cientista James Lovelock tornava-se no porta-voz dessa perspectiva. Para ele, as alterações climáticas são um desafio tão titânico, tão avassalador, que supera em muito a nossa capacidade de conhecimento, e, mais ainda, a nossa capacidade moral de darmos as respostas concertadas à escala global que seriam necessárias. Acordámos tarde para o problema e o que nos resta é tentar viver o melhor possível as nossas vidas singulares, sabendo de antemão que o futuro se curvará na sombra e no declínio. Sabendo que não haverá um amanhã digno para os nossos filhos e netos.A segunda atitude consiste em entendermos as alterações climáticas como um desafio que tem de ser enfrentado com coragem e humildade. A coragem de quem não desiste de lutar, mesmo contra forças desproporcionadas, e a humildade de reconhecer que há muita coisa que ainda não sabemos, e que nesse desconhecido podem ocultar-se potencialidades insuspeitas, para os que não desistem de as procurar. A atitude da coragem humilde deve começar por reconhecer que uma parte decisiva do desafio climático se joga numa nova economia, num novo mercado, num novo modelo de comércio internacional, num novo figurino de globalização, mais regulado e solidário. Num sistema internacional mais realista, que compreenda estar hoje a Realpolitik do lado dos que cooperam e jogam limpo, e não do lado dos trapaceiros que confundem Maquiavel com egoísmo primário. A nova economia terá de ser mais sustentável, basear-se em energias menos dependentes do carbono, deverá ser mais endógena, basear-se na exportação, mas também na força da procura interna, mais comércio de emissões, de informação, de energia e de serviços, menos de mercadorias físicas com fortes impactos ambientais. A nova economia tem de colocar o mercado ao serviço da inovação tecnológica verde, deve apoiar políticas fiscais que distingam o que é sustentável e o que é deplorável, deve financiar o que é bom e recusar o que nos fere e prejudica. Se não quisermos que o mundo dantesco antecipado por Lovelock se concretize, temos de compreender que não lhe podemos voltar as costas sem luta.
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