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Viriato Soromenho-Marques
01 de Outubro de 2014 às 20:50

Aprender com os prussianos

Os povos, tal como os indivíduos, tendem a submeter-se a rotinas e a sucumbir à força da inércia. Contudo, momentos existem em que ocorre uma ruptura. Um bom exemplo histórico são as reformas políticas operadas pela Prússia entre 1806 e 1815.

 

Com efeito, em 1806, a Prússia viu a sua glória militar varrida por Napoleão nos campos de batalha de Saalfeld, Jena e Auerstadt, e o seu território mutilado pelo Tratado de Tilsit (1807). Em vez de se resignar, a monarquia prussiana efectuou uma rigorosa autocrítica. Percebeu que o Estado deveria estar ao serviço da Nação, e não só da classe aristocrática. O barão Stein, von Boyen, von Hardenberg, entre outros, deram corpo a um executivo moderno. Com pastas específicas e coordenação estratégica. Mudaram radicalmente as forças armadas, percebendo a importância do serviço militar obrigatório. Aperfeiçoaram a administração, reforçando o papel do mérito no recrutamento dos funcionários. Aboliram a servidão camponesa, que prolongava o feudalismo. Nas décadas seguintes, a Prússia lançaria as bases comerciais, políticas e financeiras da futura Alemanha.

A história mundial dos últimos dois séculos mostra-nos, com abundância de casos comprovativos, que as políticas públicas são o principal instrumento da inteligência colectiva, capaz de contrariar as desvantagens das nações, seja no que concerne à escassez de recursos naturais, seja no peso acumulado de inércias históricas negativas. As políticas públicas são visões activas de futuros possíveis, capazes de mobilizar a sociedade para as tarefas do progresso material, mas também para o aprofundamento da justiça e o alargamento da cidadania. As múltiplas dimensões da crise que afecta hoje Portugal, exigem que sejamos capazes de nos reerguer e convergir como sociedade em torno de novas visões do futuro comum. Depois da derrota de 1806, a Prússia sentiu a ameaça existencial iminente, e mudou de rumo. Olhando para a política portuguesa actual, temos razões para nos perguntar se a massa crítica da nossa elite já percebeu que a crise actual é o resultado de uma derrota histórica, não de um partido, mas de uma maneira inadequada e inconsistente de conduzir os negócios do Estado. Será que todos percebemos que a sobrevivência do país é o ponto central da agenda política dos próximos anos?

É neste contexto que temos de inserir o desígnio positivo da Fundação Calouste Gulbenkian de promover nos próximos dia 6 e 7 de Outubro, na sede da Fundação, em Lisboa, uma Conferência subordinada ao tema: "Afirmar o Futuro - Políticas Públicas para Portugal".

A Conferência irá debruçar-se sobre quatro áreas temáticas, servindo de charneira para o conjunto das políticas públicas. São elas. 1) Instituições, finanças públicas e reformas do Estado; 2) Economia real e desenvolvimento sustentável; 3) Políticas sociais; 4) Território, ordenamento e ambiente. Foram convidados peritos nacionais para a elaboração de propostas. Meditadas, fundamentadas e já discutidas em seminários preparatórios. A experiência das universidades, mas também das empresas, das administrações, e das associações da sociedade civil estará presente. Académicos de universidades estrangeiras, como Ricardo Reis, Paul de Grauwe e Mark Blyth, ajudarão a traçar um indispensável enquadramento. Possa esta conferência contribuir para que o país olhe de frente os desafios da realidade. O que só é possível com uma mente liberta para aprender, e a coluna numa postura claramente vertical.

Professor de Filosofia Política da Universidade de Lisboa

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