Rogério M. Fernandes Ferreira 10 de Novembro de 2015 às 19:10

A sobretaxa e outras contribuições "extraordinárias" no início de 2016

Tendo em conta a actual conjuntura política de Portugal, não haverá Orçamento do Estado aprovado em vigor a 1 de Janeiro de 2016.

Nesta medida, e conforme previsto na Lei de Enquadramento Orçamental, a vigência da Lei de Orçamento do Estado para 2015 deverá ser prorrogada. Isto é, no início de 2016, terá de se aplicar o Orçamento do Estado para 2015, no que respeita às despesas (princípio da tipicidade quantitativa), em regime de duodécimos, ou seja, a execução mensal não poderá exceder o duodécimo da dotação de despesa prevista para o ano anterior.

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Já quanto às receitas, previstas no orçamento de 2015, estas deverão poder também ser cobradas em 2016 enquanto não for aprovado e produzir efeitos o novo Orçamento do Estado para 2016, de acordo com aquelas que estão previstas nos mapas orçamentais contidos na Lei do Orçamento do Estado anterior.

 

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Nota-se, porém, que a Lei de Enquadramento Orçamental (a anterior, que é a aplicável, e a actual) exclui, nesta situação, das receitas que podem transitar de um ano para o outro aquelas cuja autorização de cobrança se destinava a vigorar, apenas, até ao final do ano económico a que respeita a lei do Orçamento do Estado.

 

Em face do exposto, tem-se colocado questões várias, como a de saber, por exemplo, se a sobretaxa (dita "extraordinária") de IRS deverá ou poderá continuar a ser cobrada nestas circunstâncias no próximo ano e enquanto não exista o novo orçamento aprovado. E, embora com menos ênfase e expressão quantitativa, também se pode discutir se a contribuição extraordinária de solidariedade e outras contribuições "extraordinárias" sectoriais, como é o caso da contribuição extraordinária sobre o sector energético, a contribuição extraordinária sobre o sector bancário e a contribuição extraordinária sobre o sector farmacêutico, deverão ou poderão continuar a ser cobradas, também, num cenário de prorrogação de vigência do Orçamento do Estado 2015 e enquanto não for aprovado e entrar em vigor o novo Orçamento do Estado para 2016.

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Começando pela sobretaxa de IRS, importa, para a análise da questão, perceber como e em que moldes a mesma se encontra prevista na lei e no Orçamento do Estado para 2015.

 

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A sobretaxa foi criada, inicialmente, pela lei do Orçamento do Estado para 2013, tendo então sido aditado um artigo ao Código do IRS que previa essa sobretaxa. E, ao contrário do que faria supor o seu regime concreto, de que decorrem características que a diferenciam, e bem, do imposto dito principal (o IRS), esta sobretaxa foi sempre enquadrada como receita de IRS - e não como receita autónoma.

 

Nos anos seguintes foi prevista a sobretaxa nos mesmos moldes, mas fora do Código do IRS, nos diversos orçamentos anuais, sem nunca se prever, ainda assim, um prazo limitado à vigência da Lei do Orçamento do Estado do ano em causa - 2013, 2014 e 2015. Embora, publicamente, o Governo a tenha sempre anunciado como "extraordinária" e, politicamente, como temporalmente definida.

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Não existe, porém, nenhuma norma na Lei do Enquadramento Orçamental, nem nas leis onde a mesma foi criada e está regulada que exclua a impossibilidade da sua cobrança nesta situação de prorrogação da lei do orçamento do ano anterior. A receita obtida através da sobretaxa foi sempre prevista através de um regime e de autorização de cobrança sem prazos de validade ou de existência temporal predefinida, pelo menos de forma expressa, coibindo-se o legislador inclusive de a apelidar de "extraordinária".

 

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Estes aspectos apontam, consequentemente, para a conclusão de que a receita da sobretaxa, dita "extraordinária", poderá e deverá continuar a ser cobrada em 2016 e em situação de prorrogação do orçamento do ano anterior. Tal como acontece com a receita de IRS, onde o legislador orçamental a quis integrar.

 

Se este imposto (IRS) não deixa de poder ser cobrado em 2016 nesta situação de prorrogação do orçamento do ano anterior – evidentemente, por não ter existência temporária (isto é natureza extraordinária, expressamente referida a um prazo de vigência) – o mesmo acontece com a sobretaxa, onde o legislador a integrou enquanto receita orçamental.

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Em sentido diferente se poderá concluir, contudo, quanto a outras contribuições "extraordinárias" sectoriais. Assim dando cumprimento ao disposto na Lei de Enquadramento Orçamental, em que se exclui a cobrança das receitas cuja existência e respectiva autorização de cobrança se destinem a vigorar, apenas, até ao final do ano económico a que respeita a lei do orçamento do Estado em causa, razão pela qual estas receitas não poderão ser cobradas em situação de prorrogação da lei do orçamento do ano anterior.

 

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Em primeira linha, porque estas contribuições encontram-se previstas na lei do Orçamento do Estado para 2015, e noutras anteriores, onde foram sendo igualmente previstas, com um prazo de vigência fixo e determinado. Ou seja, estas contribuições estão previstas em 2015, mas, apenas, para vigorarem durante este ano.

 

Porém, já em relação à contribuição extraordinária de solidariedade, a lei do Orçamento do Estado para 2015 prevê que: "As percentagens (constantes do n.º 1 - ou seja, as percentagens da taxa cobrada) devem ser reduzidas em 50 % em 2016 e eliminadas em 2017."

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Ora, assim sendo, parece também claro que esta norma e a autorização de cobrança respectiva constante do orçamento do ano anterior (2015), nesta situação, deverá poder continuar a aplicar-se em face de uma prorrogação de vigência para 2016 da lei de Orçamento de Estado para 2015.

 

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Advogado e docente universitário

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