Programa cautelar ou outra coisa qualquer?
A questão do segundo programa de ajuda externa está em cima da mesa porque o primeiro-ministro a desencadeou publicamente em setembro, porventura para servir de pretexto às medidas que se preparam para o Orçamento de 2014 e que contrariavam a ideia dos meses anteriores de que não haveria mais cortes. No dia 4 de outubro, o primeiro-ministro fez a seguinte declaração no Parlamento: "O que referi foi que não seria necessário, que seria dispensável um segundo programa para Portugal." Não haveria que revisitar o tema, não fosse o ministro da Economia ter dito esta semana em Londres que "o nosso (do Governo) objetivo é começar a negociar um programa cautelar nos primeiros meses de 2014".
É mais do que justificado que o primeiro-ministro explique aos portugueses se está ou não a ser preparado um segundo programa de ajuda externa. O sacrifício dos portugueses nos últimos 3 anos merece transparência por parte do Governo, porque violados os termos da chamada estratégia orçamental, conviria ter um objetivo claro para o ajustamento.
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O Governo foge à questão. Porventura porque o PS denunciou desde o primeiro momento que o recurso a um segundo programa de ajustamento será sempre um falhanço do Governo. Nunca tal programa esteve previsto e tal só será necessário se Portugal não tiver condições de, por si só recorrer aos mercados. Será um falhanço porque expressamente o objetivo estava definido: "The overarching goals of the Economic Adjustment Programme are to underpin economic growth and macro-financial stability and to restore financial market confidence." A dívida pública está nos 131,3% do PIB, na melhor das hipóteses a economia está estagnada e a meta orçamental de 4% não é credível para 2014. Consequência: a taxa de juro das obrigações soberanas a 10 anos está nuns proibitivos 6,2%.
Afigura-se que, nestas circunstâncias, o Governo empurra o país para um segundo programa de ajuda externa. Com este infeliz pressuposto há quem caminhe já para a discussão entre resgate e cautelar sendo que, apesar das benignas definições, ninguém se atreve a dizer até que ponto as condicionalidades de um são diferentes do de outro. Na realidade há 4 opções de financiamento do Tesouro, mas só uma se traduz num acesso ao mercado de forma independente. As restantes, seja o recurso ao OMT, a necessidade de uma linha de crédito parcial ou um financiamento directo das instituições europeias, exigirão condicionalidades.
Há quem entre em jogos de palavras tente iludir os portugueses, mas o Jornal de Negócios encontrou ontem uma forma feliz de o dizer: "Certo e indiscutível é que (ambas) obrigarão o país a cumprir condições e objetivos impostos pelos credores em troca do fornecimento de recursos financeiros que impeçam o Estado de enfrentar ruturas no pagamento de salários e pensões."
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Isto para não complicar mais a análise, indo muito para além da forma simplista de um editorial, e perguntar se poderemos estar perante uma linha de crédito cautelar condicionada (PCCL) ou o recurso à chamada ECCL (Enhanced Conditions Credit Line), com a intervenção do Mecanismo Europeu de Estabilidade no mercado primário.
Dando por certo que todos queremos o melhor para o país, o melhor seria pôr as cartas na mesa e esclarecer de uma vez por todas aos portugueses, dizendo-lhes para o que caminhamos em vez de estar a fingir que, como não será necessário um "resgate à grega", então vamos sair do "protetorado" em junho. Para nós, portugueses, a crise é profunda e vai demorar a recuar pelo que, enquanto estivermos em negação, estamos a perder tempo. O fado português do "podia ser pior" leva à resignação, mas não resolve nenhum problema.
* Assessor Económico SG PS
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Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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