Remunerações transparentes
Este assunto é suficientemente sério para não se deixar ir na onda demagógica de colocar o Estado a intervir em temas que devem estar na esfera das empresas e dos seus acionistas. Sobretudo quando falamos de empresas cotadas vale a pena perceber a realidade atual.
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Há, desde logo, uma elevada transparência informativa de todas as remunerações auferidas pelos administradores - vencimentos, prémios, contribuições para fundos de pensões, etc. - que aliás, é o que possibilita as abundantes notícias e comentários sobre as mesmas. Nos relatórios anuais das empresas cotadas estão muito detalhadas todas as remunerações auferidas pelos administradores, informação que é pública.
Em segundo lugar, tais remunerações são fixadas por uma comissão de vencimentos, eleita em assembleia-geral e que anualmente deve apresentar a todos os acionistas da sociedade, uma declaração sobre a política de remuneração dos membros dos órgãos sociais. Esta declaração deve fundamentar os princípios e os critérios que foram utilizados. Avultam nesta declaração temas como o "benchmarking" utilizado, as métricas utilizadas no cálculo das remunerações variáveis, os diferimentos e limites máximos impostos a estas últimas e outros benefícios concedidos, detalhando-se toda a informação que poderá ser relevante para uma adequada avaliação, pelos acionistas, da política de remunerações. Haverá ainda alguns casos de alguma opacidade nestas declarações anuais, mas a tendência é claramente no sentido de uma efetiva transparência informativa.
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Finalmente, há ainda um crescente papel dos "proxy advisors", agências de grande importância para investidores institucionais que não querem ter qualquer participação na administração das empresas de que detém ações, e que recomendam aos acionistas o sentido de voto das deliberações propostas às assembleias-gerais. Aquelas agências têm dedicado uma particular atenção à política de remuneração dos administradores em prática em cada empresa e recomendam aos acionistas o voto contra sempre que a mesma se desvia dos critérios e valores considerados adequados num quadro comparável de boas práticas.
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Estão assim as remunerações dos administradores das empresas cotadas sujeitas a um amplo quadro de escrutínio e análise. Sublinhe-se, também, que cada vez mais se procura ligar a remuneração variável à performance sustentável da empresa, visando mitigar comportamentos de produção de resultados efémeros ou artificiais. No mesmo sentido se vai assistindo à generalização de mecanismos de diferimento de pagamento de remunerações variáveis e de cláusulas de "claw-back", que possibilitem, "a posteriori", se o desempenho da empresa não se revelou sustentável, o não pagamento ou exigência de devolução de prémios.
É perfeitamente aceitável que o Estado intervenha na definição da informação que deve ser pública sobre remunerações dos administradores de empresas cotadas. Igualmente se aceita que nessa informação se imponha a apresentação de indicadores de comparabilidade de valores (tema para outro artigo porque essa mesma comparabilidade, se mal definida, conduz a erros grosseiros nas respetivas conclusões). É ainda aceitável que o Estado pela via fiscal calibre o nível de progressividade que considere o mais adequado. O que já não se aceita é o Estado limitar o que não lhe cabe de todo definir.
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Professor na ISCTE Business School
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Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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