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Rita Calçada Pires - Professora da NOVA Direito
01 de Dezembro de 2014 às 17:55

Ainda a reforma do IRS: mais algumas reflexões

A prática legislativa, não raras vezes, distancia-se dos princípios e das regras. Tal angustia. É símbolo da quebra da desejada estabilidade e, sobretudo, uma ruptura na adequação do sistema jurídico, o que não é inofensivo.

 

Isto a propósito da proposta de alteração do IRS. Não repito a já tratada questão da constitucionalidade da tributação separada para os casados, nem a questão da discriminação em função da existência ou não de dependentes. Refiro agora as propostas para os gastos que devem ser considerados na pessoalização do imposto e, bem assim, a proposta de alteração ao regime da sobretaxa.

Quanto à questão dos gastos. Num imposto sobre o rendimento, ao se pretender fazer cumprir a capacidade contributiva e assim permitir dedução de gastos necessários à determinação do rendimento que se pretende tributar, estas deduções devem estar limitadas aos gastos que são condição "sine qua non" da criação desse rendimento ou necessários à manutenção da respectiva fonte produtora (deduções específicas). Outros gastos, a existirem, são aplicações do rendimento obtido, não devendo ser considerados para o efeito do apuramento do rendimento líquido, ainda que possam ser considerados "ex post" para reduzir o valor do imposto final a pagar, também em nome da capacidade contributiva. E aqui, estas reduções podem assumir uma de duas formas: ou a de abatimento ou a de dedução à colecta.

No caso de se optar pelo abatimento estar-se-á a reduzir o rendimento colectável e, com tal, a reduzir a taxa de imposto e tendencialmente o imposto a pagar. Isto porque o abatimento é efectuado após o apuramento do rendimento líquido de cada categoria obtido, depois de efectuadas as deduções específicas. Tal era o que, na generalidade, se verificava na versão inicial do Código IRS, datada dos anos oitenta e que, posteriormente, deixou de existir passando as deduções a ocorrer já depois de apurada e aplicada a taxa de imposto, sobre o  montante de imposto a pagar (deduções à colecta). Na altura, a modificação, ainda que susceptível de reparo, teve uma razão meritória: evitar beneficiar os contribuintes mais possidentes, dado as taxas do imposto terem carácter progressivo. Todavia, agora, na proposta de alteração, o caminho seguido foi misto: despesas de educação e formação passam a constituir abatimentos, as restantes despesas mantém-se como deduções à colecta. Qual a razão para a diferenciação? Não encontro o porquê. Não deveria ser esclarecido porquê privilegiar as despesas de educação em detrimento, por exemplo, das despesas de saúde?

Quanto à sobretaxa, uma reflexão é necessária sobre a possível restituição de um imposto apurado e cobrado nos termos legais. É que esta possibilidade coloca em causa a característica de o imposto ser uma prestação definitiva e não reembolsável. Na fórmula proposta para as deduções à colecta da sobretaxa distinguem-se dois tipos. Por um lado, as necessárias e inequívocas deduções à colecta da sobretaxa, derivadas da existência de dependentes e da retenção na fonte por conta da sobretaxa a pagar a final. Mas por outro lado, prevê-se um crédito fiscal, simplificadamente, no caso de as receitas de IRS e IVA arrecadadas pelo Estado em 2015 serem superiores aos valores das mesmas receitas orçamentadas. Quanto às primeiras deduções identificadas, nada a apontar.

Quanto ao crédito fiscal, essa devolução parece abrir a porta, no nosso ordenamento jurídico, a uma figura tributária nova: um "imposto sob condição resolutiva", para não referir a possibilidade de se configurar a existência de uma poupança forçada sem remuneração associada. E não se confunda essa figura com o que sucede com os reembolsos que ocorrem quando, uma vez apurado o imposto definitivo, se restitui ao contribuinte o que se cobrou a mais de acordo com a lei vigente no momento da sujeição a tributação. O imposto cobrado a mais deve ser restituído porque, não se procedendo ao reembolso, a lei que rege o tributo vigente desde o início seria infringida. O que é bem diferente de um imposto sob condição resolutiva, porque esse foi cobrado correctamente, segundo as normas então vigentes, sendo um facto posterior que conduz à restituição do valor suportado. Contribuirá isto para um sistema fiscal transparente, competitivo e equitativo?

Professora NOVA Direito

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