As omissões na categoria B do IRS
Vivemos um momento em que o que parece nem sempre é, ou seja, faz-se um esforço de transmitir realidades ou virtualidades inexistentes, que pela sua complexidade ou tecnicidade, nem sempre são detectáveis pelos cidadãos, levando-os a criar imagens e conceitos nem sempre coerentes com a realidade.
Faz parte da nossa tradição não pensarmos antecipadamente nas coisas ou nas consequências das alterações que lhes introduzimos, tomando, na grande maioria das vezes, uma consciência da sua dimensão apenas perante os seus efeitos.
Consequência do descrito é que, ao nos preocuparmos com as coisas apenas perante os seus efeitos, a nossa reacção dá-se, não raras vezes, extemporaneamente, o que dificilmente possibilita uma reacção útil perante as alterações a introduzir, conferindo, por efeito do descrito, uma singularidade típica dos portugueses que, por aqueles comportamentos, parece pensarem muito melhor com a carteira, do que com a cabeça.
A presente análise tem como objectivo concorrer para um maior esclarecimento das propostas oriundas da Comissão da Reforma do IRS, procurando analisá-las num contexto integrado, de forma a construir uma visão global dos seus efeitos.
O IRS, no nosso ordenamento, com especial relevo para a sua conceptualização no Sistema Fiscal emergente da reforma de 1988, é um imposto personalizado em que se procurou fazer um esforço para se encontrar a capacidade contributiva dos cidadãos, perdendo a sua característica de imposto real para ser concebido numa óptica de personalização do contexto real da vida dos cidadãos, concebidos estes num conjunto que denominamos por agregado familiar.
O sujeito passivo deixou, para efeitos fiscais e nesta cédula, de ser visto isoladamente, para ser enquadrado no conjunto familiar em que se integra, num conceito muito próximo daquilo a que tradicionalmente chamamos "comunhão de mesa e habitação".
Naquele âmbito, por efeito das deduções ao rendimento e à colecta, dado a consideração para englobamento de rendimentos brutos, embora de forma tímida, tentou-se encontrar aquilo a que poderíamos chamar de excedente das necessidades de uma vida concebida num padrão normal, adaptada pelas deduções à realidade concreta e objectiva sobre a realidade da vida dos sujeitos passivos, procurando evitar-se distorções de tributação conducentes a uma maior justiça fiscal.
A não existir essa conexão com a vida real dos sujeitos passivos, isto é, um esforço que conduza à determinação da capacidade contributiva dos cidadãos, corremos o risco de deixar de tributar realidades efectivas dessa mesma capacidade, passando a tributar fantasmas inexistentes na realidade concreta.
Ao longo do tempo e numa manifesta subordinação da justiça à rendibilidade fiscal, temos vindo a assistir à galopante descaracterização do IRS em que, cada vez mais, se abandona a preocupação de encontrar a capacidade contributiva.
A presente proposta, embora tenha coisas positivas, é um forte contributo para que isso aconteça, subordinando questões simples de funcionalidade a esquemas e situações que, até pela experiência vivida, nos deixa muitas dúvidas quanto a um futuro sucesso. No que concerne aos rendimentos da categoria B, pese embora algumas situações positivas, como é o caso da consideração como gastos dos familiares que trabalham com o sujeito passivo e a dedução dos encargos suportados com a Segurança Social, a presente proposta, pode dizer-se que peca muito mais pela omissão, do que pelas soluções apresentadas.
Desde logo mantém a discricionariedade da forma de determinação dos rendimentos no regime simplificado, quando comparados com os obtidos no âmbito do IRC, sobrecarregando com uma carga fiscal muito mais acentuada nos empresários em nome individual, do que aquela que suportam, para além da diferenciação de taxas, no IRC.
Não faz sentido que o mesmo negócio, por exemplo, comércio, use uma taxa de 4% para a determinação dos rendimentos em IRC e 15% em IRS. Não se encontra justificação lógica para essa diferença, nem mesmo o facto do imposto retido na fonte no IRC, dada a sua natureza por conta, acaba por gerar um imposto muito menor do que o verificado no IRS.
Embora considerando positiva a dedução dos montantes pagos para os regimes de Segurança Social, não faz qualquer sentido a sua limitação aos rendimentos provenientes das profissões liberais e da prestação de serviços, deixando de fora as restantes actividades.
É uma discriminação negativa que não faz qualquer sentido.
A concepção da redução dos rendimentos desta categoria nos primeiros dois anos de início de actividade em 50% no primeiro ano e 25% no 2.º, apenas aplicável a determinados rendimentos, onde se exclui as actividades comerciais de indústrias, ou seja os actos de comércio e industriais, constitui uma diferenciação negativa daquelas actividades que não faz qualquer sentido.
Na verdade, atento o espírito subjacente à norma, dificuldade de penetração e consolidação no mercado, tanto se pode verificar em qualquer das actividades enunciadas e não especificamente naquelas que consubstanciam prestação de serviços.
Por outro lado a sua exclusão, caso existam rendimentos de outras categorias, nomeadamente da A ou H, carece de ser fundamentada, pois impossibilita-se a implementação de experiências adquiridas ao longo da vida, o que se poderá revelar como fundamental para o sucesso pretendido.
bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas
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