Edson Athayde 02 de Abril de 2019 às 19:19

Vejam o morto ao vivo

Michael Jackson e Roy Orbison tendo tido pouco em comum quando vivos acabaram por ter destinos semelhantes depois de mortos: a cultura pop insiste em desenterrar os seus cadáveres. É a velha máxima do "showbiz", enquanto há lucro, há vida.

"Um espetáculo muito vivo de um artista muito morto", esta não era mas poderia ser a frase promocional ideal para vender o "show" do cantor Roy Orbison que assisti há alguns meses em Los Angeles.

 

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Roy morreu em 1988 no auge de uma segunda vida artística. Estrela nos anos 50 e 60, estava relegado a um certo ostracismo quando Hollywood começou a prestar atenção no seu repertório e o promoveu em filmes (um deles, um verdadeiro clássico, "Blue Velvet", de David Lynch).

 

Mas em 1988, o coração do bom Roy não resistiu e parou. Uma ironia: ele já cá não estava quando o filme "Pretty Woman" elevou uma das suas canções a "hit" planetário. Roy era um defunto quando mais se destacou.

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Daí que, ao saber de uma apresentação com um Roy Orbison holográfico, fiquei animado em ir. Só quando já estava sentado na plateia reparei na bizarria daquilo.

 

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A sessão decorreu com pompa e circunstância. Havia uma verdadeira orquestra no palco (todos afinados e a tocar com muita energia). Orbison surgia e desaparecia como acontece nos filmes em que há teletransporte.

 

Uma, duas, cinco, oito músicas depois e o espanto provocado pela coisa foi-se diluindo e transformando-se em tédio. Não sei se havia alguma grande surpresa mais para o final. Não cheguei até lá. Ao menos um terço da audiência teve a mesma reação. Músico morto não se magoa com público fujão.

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Tinha já esquecido dessa experiência quando surgiu "Leaving Neverland". Assim como Orbison foi ressuscitado sem sua permissão, o documentário da HBO traz--nos de volta Michael Jackson. E esse reaparecimento não é bom.

 

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Acho que não passei dos vinte minutos de "Leaving Neverland". Sim, acredito na versão dos rapazes abusados. Sim, acredito que Michael Jackson não batia bem da cabeça e que em algum momento da vida se tornou pedófilo. Não, não preciso ver 236 minutos de depoimentos sobre o tema.

 

"Leaving Neverland" é tão cru a expor os pormenores das torpes ações sofridas pelos depoentes, com a cumplicidade das suas famílias, que provoca náuseas. Trata-se de uma representação quase que holográfica, são descrições tão cruas que é impossível não se sentir como se estivéssemos lá. E o pior é que, de certa maneira, estávamos. Quem viveu os anos 80 e 90 não tem como dizer que nunca desconfiou de nada.

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Michael Jackson e Roy Orbison tendo tido pouco em comum quando vivos acabaram por ter destinos semelhantes depois de mortos: a cultura pop insiste em desenterrar os seus cadáveres. É a velha máxima do "showbiz", enquanto há lucro, há vida.

 

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Ou como diria o meu Tio Olavo: "Ressuscitar dos mortos é fácil. Em tempos de redes sociais, quero ver é ressuscitar dos vivos."

 

Publicitário e Storyteller

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