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[636.] Fiat, Guerlain

Eu bem dizia que os conceito de ícones e de lendas estão na moda publicitária. Parece que os publicitários foram todos ao mesmo curso de reciclagem de ideias feitas.

O novo Fiat 500 apresenta-se como "a evolução de um ícone". O uso do conceito é legítimo. Este automóvel italiano faz parte da memória colectiva e da História, pelo que simbolizou o crescimento do bem-estar na Europa no pós-guerra. Substituído durante muitos anos, o nome 500 nos modelos mais económicos da marca regressou em 2007, recuperando a aura e o estilo dos primeiros modelos. Para a marca, impor a dimensão icónica é tão importante que o seu próprio nome desaparece: nas três menções, é apenas o "novo 500". A palavra Fiat só está no logótipo. Ao libertar o modelo da amarra à própria marca, a Fiat reforça a ideia de que se trata de um "ícone".

Com a sua capacidade de invenção, o slogan "a evolução de um ícone" consegue juntar o que, antes de se pensar no assunto, pareceria impossível: em princípio, parece lógico que um ícone não evolui, mas o slogan diz-nos precisamente o contrário, que evolui continuando a ser um ícone. Vergo-me à evidência, porque não estamos aqui limitados à retórica; o carro não é apenas "o 500" para usar a aura; mantém semelhanças formais com os modelos iniciais na dimensão e no design.

A frase de acesso é também interessante: "Os detalhes nunca são apenas detalhes." Cabe ao texto na parte inferior do anúncio comprová-lo. Como vem sendo hábito na publicidade automóvel, os anunciantes viram-se há anos precisamente para os detalhes, dado que para vender é preciso encontrar pontos de diferenciação. O reclame destaca dois pormenores; será pouco, mas a ideia é tentar provar a sua originalidade e fazer deles a razão de compra: os detalhes tornam-se mais importantes do que o resto.

O mito é outro conceito a  juntar à moda dos "ícones" e das "lendas", que referi no artigo anterior [635.]. Nada de inesperado, dado que os mitos são histórias lendárias, podendo originar ícones, representações visuais desses mitos ou lendas.

A água de cheiro L'Homme Idéal, de Guerlain, segue de perto o modelo retórico do anúncio da Fiat. Diz que alguma coisa não existe para depois sugerir que existe: "O homem ideal é um mito. O seu perfume, uma realidade." Os antigos reitores gregos e romanos teriam muito a aprender com os publicitários de hoje. Esta frase diz que o homem ideal é um mito, ou uma lenda, ou um ser conceptual; não existe; todavia, o perfume do homem ideal existe; portanto, se existe o perfume do homem ideal, é porque ele existe, ou, na perspectiva da publicidade, pode existir se o observador o comprar. Para inculcar a certeza de que o homem ideal existe, o perfume chama-se "homem ideal". Deste modo, o perfume permite ao homem comum tornar-se no mito: o homem ideal é um mito (e um perfume) que existe. Para lhe dar existência, precisa da realidade material, o perfume. A retórica é irrepreensível.

A imagem confirma-a: num túnel enorme, um rapaz de smoking corre à frente de duas dúzias de noivas felizes (e, acrescente-se, de dois noivos, não fosse a ILGA queixar-se!). O jovem usou o perfume e transformou-se no mito, perseguido pelas e pelos pretendentes. Este poder de transformação de um homem feio num homem bonito é mais velho do que a Sé de Braga: nos contos em que o sapo se faz príncipe e o homem peludo da "Bela e do Monstro" passa a Adónis a transformação resulta de um beijo, mas esse é à borla. Aqui estamos no domínio do comércio misturado com as velhas lendas e mitos da cultura popular. 

[636.] Fiat, Guerlain
[636.] Fiat, Guerlain
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